Agricultores familiares da Articulação do Semiárido Paraibano elaboram propostas para o IX Enconasa

Publicado por Thaynara Policarpo
Campina Grande, 21 de outubro de 2016

img_1234Nos dias 18 e 19 de outubro, a Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-PB) se reuniu no município de Princesa Isabel, região do Médio Sertão da Paraíba, para participar do encontro rumo ao IX Enconasa: Povos e Territórios Resistindo e Transformando o Semiárido. O evento é uma etapa preparatória para o Encontro Nacional da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), que acontecerá entre os dias 21 e 25 de novembro, em Mossoró-RN.

O encontro reuniu aproximadamente 120 agricultores e agricultoras familiares, jovens, assessores/as técnicas, comunicadores/as e coordenadores/as das regiões do Cariri, Seridó, Curimataú, Agreste, Borborema, Alto e Médio Sertão. Durante os dias de encontro, foi construído um espaço de debate político-organizativo da rede, onde foram formuladas ações de desenvolvimento pautadas na proposta de convivência com o semiárido.

img_1260No primeiro dia, os participantes visitaram a comunidade Lagoa de São João, zona rural de Princesa Izabel, e foram recebidos com música, dança e poesia. A localidade é conhecida na região do médio sertão pelo cultivo da mandioca que, atualmente, tem sete casas de farinha ativas e, desde 2013, as famílias se organizaram e criaram a Festa da Mandioca, que é realizada anualmente na comunidade. Na comunidade, famílias agricultoras cultivam seus roçados e são guardiãs das sementes do feijão Paulistinha, há mais de vinte anos.

Durante toda a manhã, as famílias agricultoras apresentaram aos visitantes como a organização é importante para que as ações de convivência com o semiárido avancem. Também apresentaram uma linha do tempo com a sua história, desde a década de 80 até os dias atuais. Na apresentação, as famílias contaram sobre suas sementes crioulas, na Paraíba, conhecidas como “Sementes da Paixão”, as experiências com os Fundos Rotativos Solidários e a importância das políticas públicas de convivência com o semiárido, como os Programas Um Milhão de Cisternas (P1MC), Uma Terra e Duas Águas (P1+2) e Água nas Escolas, acessadas pelas famílias do local nos últimos anos.

img_1274“Quando a cisterna do P1MC chegou aqui na comunidade, algumas famílias não foram contempladas, porque não se enquadravam nos critérios do programa. Mas, percebendo a necessidade de ampliar a água de beber a outras famílias, nós criamos o Fundo Rotativo Solidário aqui e já construímos outras 18 cisternas. Todo mês as famílias contribuem com 10 reais e é o trabalho de união da comunidade que faz com que dê certo”, contou Kaliane Fernandes, agricultora e organizadora da Festa da Mandioca.

Além das políticas de convivência com o Semiárido, foi destacada a trajetória de outras políticas públicas que incidiram na vida comunidade, sobretudo de 2000 até os dias de hoje. Aos poucos foram se intensificando políticas de valorização e fortalecimento da agricultura familiar como o PRONAF, Agroamigo, seguro safra, bolsa estiagem, bolsa família e o acesso a mercados institucionais, através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

img_1331A comunidade também enfatizou os impactos de algumas dessas políticas na vida das famílias agricultoras. A agricultura Gildaci Maria da Silva, de forma emocionada, contou sobre suas dificuldades antes de ter acesso a cisterna de água de beber. “Quando eu não tinha a minha cisterna de água de beber, atravessava cercas com dez fios de arame para pegar água na terra dos outros e era água ruim. Hoje eu tenho do lado da minha casa, uma água boa, porque água é como leite pra gente”. A agricultura Kaliane Fernandes contou algumas depoimentos de mães da comunidade. “Uma mãe da comunidade pagou o curso de informática do filho com o recurso do Programa Bolsa Família e hoje ela ainda diz que mesmo que eu ela não tenha mais o bolsa família, nunca vão tirar do meu filho o conhecimento que ele conseguiu”, afirmou a agricultora.

Finalmente a comunidade frisou que o acesso à água de qualidade contribuiu para a redução de doença, principalmente entre crianças e idosos, como também tem diminuído a mortalidade infantil e o êxodo rural. A água para a produção tem propiciado o autoconsumo de alimentos e ampliado a renda das famílias que estão vendendo seus produtos no mercado.

img_1415Após a visita, os participantes se dirigiram ao salão do Aquaclub Hotel, que fica no Alto da Boa vista, em Princesa Isabel, com o objetivo de discutir o papel das redes territoriais na articulação de políticas públicas de convivência com o semiárido e as estratégias de luta da rede ASA Paraíba para o enfrentamento dos desafios. Para isso, foram divididos três grupos, dentre as propostas apresentadas, destacam-se: articular as organizações da rede; mobilizar, capacitar e incluir os agricultores nas políticas públicas; fortalecer os fundos rotativos solidários; fortalecer as assessorias; reforçar o diálogo entre as próprias redes e o poder público; provocar as comunidades para o debate político, dentre outras.

Ao término do primeiro dia, foi realizado ainda um debate sobre a importância da ASA no Estado e atual conjuntura política do país.  “As organizações das comunidades se deu a partir dos programas do P1MC, P1+2, programa de sementes. As famílias hoje se perguntam como as coisas vão ficar com o corte das políticas públicas, depois de tantas lutas. E nós sabemos que ainda existem famílias que não têm a cisterna de água de beber”, disse a agricultora Francineide Barbosa, do Coletivo Asa Cariri Oriental (Casaco).

img_1422“Desde 2009 que o Folia tenta atuar no município de Umbuzeiro, mas a gente não achava brecha. Mas, em 2014 a gente começou a conseguir as primeiras cisternas na comunidade, recebemos a cisterna de água de beber e agora já temos a cisterna de produção também. É uma conquista pra gente, ver os agricultores produzindo e precisamos continuar garantindo isso, enquanto rede”, disse o agricultor Adeilton de Cunha, do Fórum de Lideranças do Agreste (FOLIA).

No segundo dia, foi apresentada a programação do IX Enconsa e os 10 eixos temáticos do encontro: Economia Solidária e Mercado; Juventude e Sucessão Rural; Agrobiodiversidade e os Efeitos do Agronegócio; Reforma Agrária (terra e território); Auto-organização das Mulheres e Feminismo; Gestão das águas; Educação Contextualizada; Comunicação como Direito; Assessoria técnica e Extensão Rural e Agricultura Familiar e o Impacto dos Grandes Projetos.

dscn0188Em seguida, os agricultores e agricultoras se dividiram por território para discutir, enquanto rede, as propostas que serão apresentadas no IX Enconasa, entre elas: manter os fundos rotativos solidários e os bancos de sementes comunitários; garantir o protagonismo dos jovens e das mulheres; construir diálogos com novos gestores; continuar a mobilização da sociedade, fortalecendo nossas experiências e lutando por um projeto de convivência o semiárido; garantir o avanço no campo da segurança alimentar e nutricional; garantir o fortalecimento dos sindicatos da agricultora familiar; ampliar o numero de hortas, fogões agroecológicos, reuso de água e tantas outras políticas sociais que garantam a convivência com o semiárido e intensificar as estratégias de comunicação dentro da própria rede e com a sociedade, no sentido de reafirmar nossas conquistas.

A jovem do Polo da Borborema, Mônica Lourenço, reafirmou a importância da coletividade da rede, para garantir as políticas públicas. “A coletividade é o que mantém a articulação da nossa rede e que da vida ao nosso trabalho em tantos municípios. A gente tem uma diversidade enorme em cada território, mas em rede a gente consegue construir muita coisa juntos. Quando o projeto para desenvolver cisternas de plástico no nordeste foi criado, a nossa coletividade nos fez enxergar que nossa necessidade era outra, nós queríamos cisternas de placas, lutamos por isso e conseguimos”, contou Mônica.

img_1443“A ASA Paraíba levará seus acúmulos e reflexões sobre seu papel na articulação de políticas públicas de convivência com o Semiárido e apresentará sua experiência em economia solidária no IX Enconasa, especificamente o trabalho com os fundos rotativos solidários comunitários. Mas, nós também vamos levar o protagonismo e a auto-organização da juventude, na perspectiva da sucessão camponesa no semiárido brasileiro, pensando na palavra de ordem que diz: ‘Juventude que ousa lutar, constrói o poder popular’. Estamos levando ainda a valorização das mulheres, o debate sobre o papel que elas têm como agricultoras, camponesas, quilombolas, primando pela superação das desigualdades de gênero, intensificando nossa luta de combate à violência contra as mulheres e reafirmando que sem feminismo não há agroecologia e sem feminismo não há convivência com o Semiárido”, ressaltou Glória Araújo.

dscn0206Os delegados e delegadas escolhidos por cada território para participar do IX enconsa também foram apresentados, em um total de 28 representantes. Ao término do encontro, cada território recebeu uma muda, como símbolo do trabalho construído nos dois dias de encontro, simbolizando também suas bandeiras de luta, conquistas e resistência, ao som da paródia da música “Tu Vens”, de Alceu Valença, criada pela equipe de preparação para o Enconasa, no Rio Grande do Norte.