Jovens de Campina Grande debatem o papel e a força das juventudes na resistência aos ataques aos direitos conquistados

Publicado por Aurea Olimpia
Campina Grande, 4 de novembro de 2016

img_4577“Ocupar, resistir, subverter e o papel das juventudes em tempos de golpe” este foi o tema da mesa de diálogo realizada na noite da última quinta-feira (3) no Cine São José em Campina Grande-PB, dentro do projeto “Quintas dialógicas”, que o Cine já promove. Desta vez em parceria com o Programa “Juventude e Participação Política” do Centro de Ação Cultura (Centrac), a Rede Ecumênica de Juventude (REJU), a Ong Pró-adolescente, Mulher, Espaço e Vida (PROAMEV), Associação de Juventude pelo Resgate a Cultura e Cidadania (AJURCC), Rede de Jovens do Nordeste (RJNE) e o Conselho Municipal de Juventude Campina Grande.

Participaram da mesa de diálogo Elisandra Rodrigues, do Conselho Municipal de Juventude de Campina Grande, Marcos Moraes, da Coordenação do Cine Teatro São José e Ronilso Pacheco, teólogo, ativista e articulador social da ONG Viva Rio. Ana Patrícia Sampaio, socióloga e coordenadora do Programa Juventude e Participação Política do Centrac mediou o debate.

Em sua fala, Marcos Moraes relembrou a luta e o papel dos estudantes de Comunicação Social para a reabertura do espaço do Cine São José, que passouimg_4555 30 anos fechado, e encontrava-se em estado de abandono até ser reformado pelo Governo Estadual: “Foi a rebeldia que fez com que a juventude ocupasse este espaço. E quando realizávamos assembleias pela reabertura do Cine, quantos não vieram tentar nos desmotivar, dizer para gente ir cuidar em terminar os nossos cursos? Outro exemplo de rebeldia que eu trago é o da própria Reju, que em uma época em que a gente vê tanta intolerancia, propõe um diálogo entre jovens que pensam diferente, de crenças diferentes, para pensar em lutas concretas da juventude. Eu vejo esses levantes juvenis como uma oportunidade de ‘tirar o mofo’ do nosso ativismo, sair do ativismo de sofá e voltar ao nosso trabalho de base”, disse.

img_4567Elisandra Rodrigues, afirmou que o momento atual chama para a ação: “Há pouco eu me tornei mãe. Eu podia muito bem parar com a minha militância, para me dedicar à minha vida pessoal, mas quando eu parei e me vi uma jovem, mulher e negra, mãe de uma menina também negra, eu pensei: ‘se antes eu tinha um motivo para lutar, agora eu tenho, no mínimo, dois. Porquê recuar em um momento como este?”, questionou.

Ronilso Pacheco, iniciou falando sobre a ideia que deu origem ao seu livro “Ocupar, resistir, subverter: igreja e teología em tempos de violencia, racismo e opressão”. O libro é uma coletânia de 40 artigos que tratam de varias violências, racismo e opressões, à partir de sua vivência como integrante da organização “Viva Rio”, que surgiu depois do massacre da favela de Vigário Geral que vitimou 21 pessoas e da chacina da Igreja da Candelária que matou oito jovens em situação de rua, ambos os crimes aconteceram em 1993.

Ronilso falou sobre a necessidade do reconhecimento e do potencial da juventude no momento atual, pois, segundo ele, só ela tem essa capacidade deimg_4574 promover rupturas, de criar, de inovar: “Precisamos saber como estimular essa capacidade da juventude sem enquadrá-la nas estratégias da esquerda. Como provocar a juventude no que ela tem de melhor, a ousadia, a desobediencia, a criatividade. Nós estamos vivendo momentos muito confusos, onde todo mundo entende de tudo, fala sobre tudo. Precisamos furar ese bloqueio promovido pela mídia, essa ditadura de opiniões, para poder pensar e criar”, analisou.

O debatedor afirmou ainda o quanto é importante colocar o racismo no debate atual das opressões. “O racismo tem sido uma pauta periférica. Nós lidamos com nossos dilemas de uma forma dissimulada. Ninguém chega e diz: ‘eu sou racista’. Não está na estrutura, mas ele está ali mascarado. Eu coloco a questão da intolerancia religiosa nesse bojo. Quantas sinagogas, quantas igrejas batistas vocês já viram sendo invadidas, hostilizadas, encendiadas, destruídas? Agora quantos terreiros, não já vimos? Porque há tanta dificuldade de que os grandes pensadores e escritores negros sejam conhecidos e estudados?”.

Para o convidado, é preciso tomar cuidado com as generalizações, que não são capazes de nos fazer compreender o momento em que vivemos: “Aos poucos a gente vai comprando discursos generalizadores, que não dão conta da complexidade da realidade. Quando minha mãe, evangélica, diz que se eu fumar maconha eu vou preso, ela não está dizendo isso porque o pastor que ensinou isso a ela, mas porque, de alguma maneira, ela sabe que se eu for pego pela policía com maconha, não terei o mesmo tratamento que o filho da patroa dela”.

img_4586Por fim, Ronilso criticou programas dos governos petistas a exemplo do “Juventude Viva”, contra o exterminio das juventudes negras de periferia. “Para mim o grande fracasso do Juventude Viva é não punir o Estado e suas violações. Como é que você vê a policía matando cinco jovens na favela, com 111 tiros e nada acontece com o Estado?” questionou. “Eu sempre acho que o Direito é o filho branco de olhos claros, fruto do casamento entre o Estado e a Igreja. Depois adotaram um filho chamado democracia. Assim, direito e democracia foram criados dentro de uma lógica que protege alguns e ignora outros. ‘Calhou’ de o Código Penal dizer que vadiagem e viver nas ruas é crima, quando quem vive nessas condições são os negros”, ironisou.

Após a mesa de diálogo, foi aberto espaço para um debate com a plateia. Roberto Jefferson Normando, da Coordenação das Pastorais Sociais da Diocese de Campina Grande, propôs o enfrentamento do debate sobre os erros da esquerda e sobre a exploração económica: “Muitas vezes, nesses 13 anos de governo do PT, fomos silenciados por quema chava que a gente não devia colocar o dedo nas feridas. Um ciclo se fechou, precisamos superar, aprender com os erros para construir algo novo,  apenas o ‘Fora Temer’ não nos interessa. Falamos muito na desigualdade, mas precisamos enfrentar o debate económico, a raíz da exploração econômica”.

Josilene Oliveira, ativista social e mestranda em Serviço Social, falou sobre a invisibilidade das autoras negras e sua falta de reconhecimento dentro da14937130_10209990822278963_1929584870_n academia: “Falando do meu lugar, de mulher e negra, tenho buscado, nas minhas leituras, autoras negras, mas é grande a dificuldade de encontrar respaldo para pesquisar a partir da obra das mulheres negras”, afirmou. Após a rodada de debates, um coquetel de lançamento do livro encerrou o evento.