Mesa de diálogo no INSA discute as políticas públicas de recursos hídricos e as saídas para a crise de abastecimento

Publicado por Aurea Olimpia
Campina Grande, 22 de março de 2017

DSCN9584Uma plateia de mais de 100 agricultores e agricultoras, estudantes, pesquisadores, assessores técnicos e representantes de organizações não governamentais, universidades e empresas de assistência técnica esteve reunida no auditório do Instituto Nacional do Semiárido (INSA) em Campina Grande, Paraíba, na manhã do dia 21 de março, para uma mesa de diálogo dentro da programação do Dia Mundial da Água. Em 2017, a data teve como tema escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) “Águas Residuais”, que são as águas descartadas pelas mais variadas atividades humanas, mesmo tema da programação organizada pelo Instituto Nacional do Semiárido (INSA) em parceria com a Articulação do Semiárido Paraibano (Asa Paraíba) e a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

O dia foi iniciado com uma mística de abertura que trouxe o valor inestimável da água para a humanidade. Em seguida, foi montada a mesa de aberturaDSCN9581 com as presenças de Salomão de Sousa Medeiros, diretor do INSA, Aparecida Firmino da coordenação da ASA Paraíba e Cidoval Morais, professor do Programa de Pós-Graduação do em Desenvolvimento Regional da UEPB. Em sua intervenção, Aparecida Firmino lembrou o papel das mulheres agricultoras na reutilização das águas residuais. O professor Cidoval Morais afirmou que a sociedade falha em relegar a um segundo plano temas como o do reuso de água.

Ele reclamou ainda das injustiças que são cometidas no acesso à água: “Nós permitimos que se constituísse dois tipos de água: a ‘água do pobre’ e a ‘do rico’. A do pobre é sempre escassa, de difícil acesso e péssima qualidade. A do rico é abundante, acessível e de melhor qualidade. Precisamos ter muitas águas, para diversos usos: de beber, de plantar, de reuso. Mas essa água precisa ser distribuída com igualdade, sem privilégios e injustiças. Hoje é um dia para a gente pensar sobre isso. É o momento de aprofundar o diálogo interinstitucional em torno de um projeto único e, na minha opinião, esse projeto tem nome: água”, frisou.

O diretor do INSA, disse que é preciso além de apresentar as experiências de reuso, avaliar como a água residuária pode fazer parte do cotidiano da população, junto com soluções complementares como a dessalinização, a captação da água de chuva, entre outras. “Nós temos a capacidade de produzir 16 mil litros de água residuária por segundo em 1.135 municípios no Semiárido Brasileiro, poderíamos reduzir a nossa vulnerabilidade hídrica”, complementou.

seleçãoA Mesa Avanços e Desafios das Políticas Nacionais de Recursos Hídricos e Saneamento no Semiárido Brasileiro contou com as participações do advogado Claudionor Vital do Centro de Ação Cultural (Centrac) e do professor Janiro Rêgo, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). A mesa foi mediada por Madalena Medeiros do Centrac e teve como debatedor Luciano Silveira da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, ambos da ASA Paraíba.

Claudionor Vital falou sobre a política nacional de recursos hídricos e sobre como o discurso  da escassez foi sendo utilizado para legitimar as políticas no mundo, em grande parte orientadas por organismos como o Banco Mundial. Segundo ele, não se discute as causas principais da crise hídrica que é um modelo de desenvolvimento que produz uma demanda crescente por água, muito acima da capacidade de recarga: “Se trata de um desenvolvimento baseado na acumulação extrativista, na degradação ambiental e na instrumentalização da natureza, tida como algo a ser domado, controlado e na separação entre a sociedade e a natureza. Aprendemos o ciclo da água sem compreender que estamos dentro dele e que as mudanças na sociedade vão afetar o ciclo da água”, disse.

O advogado questionou o modelo industrial da pecuária e da medicina, que, segundo ele, tem sido responsáveis pela contaminação do meio ambienteDSCN9603 por hormônios e antibióticos. Claudionor Vital apontou ainda o discurso hegemônico de superação da crise hídrica, que colocam como solução a privatização e a atribuição de valor econômico à água, com o argumento de que o mercado é capaz de regular e tornar o uso da água racional, promovendo a saída para a crise. Ele lembrou algumas conquistas no mundo em termos de legislação que colocam a água como um bem comum e a natureza como um sujeito de direitos, respeitando os ciclos da vida e a capacidade de resiliência da terra, ensinamentos sintetizados pelos povos indígenas como o chamado “bem viver”.

DSCN9616O professor Janildo Rêgo da UFCG falou sobre a legislação brasileira acerca dos recursos hídricos, considerando os planos como o principal instrumento de gerenciamento para solucionar a oferta e a demanda de cada bacia hidrográfica, segundo seus múltiplos usos, priorizando o abastecimento humano. Ele lembrou que os Comitês de Bacia, são um espaço aberto para a participação da sociedade. De acordo com o estudioso, o gerenciamento da bacia hidrográfica do Rio Paraíba tem um desafio a mais com a conclusão das obras da Transposição do Rio São Francisco: “Com uma oferta maior de água, o desafio de gerir é imenso, também existem os custos de manutenção e operação de uma obra deste tamanho, o custo da água transposta e o desafio que é uma operação conjunta com os recursos hídricos da própria bacia”.

Luciano Silveira, engenheiro agrônomo da coordenação da AS-PTA, fazendo uma síntese das duas falas anteriores, lembrou que se vive hoje um momento completamente novo nas crises hídricas: “Vivemos uma seca que já dura seis anos e completamente sem precedentes na história o que nos provoca a questionar o que está acontecendo com os ciclos hidrológicos e até que ponto o desmatamento não é uma ameaça ao comportamento das chuvas. Também é preciso saber que padrão de uso dos recursos nós estamos adotando”.

O debatedor falou ainda sobre o impacto da Transposição do Rio São Francisco e sobre a importância das águas residuais: “Em um momento deseleção2 profunda calamidade, a chegada dessa água da Transposição é importante, mas precisamos nos perguntar em que padrão está vindo essa água e a quem ela vai de fato atender. Sobre as águas residuais, precisamos entender o papel que elas cumprem e porque ela vem sendo negligenciadas nas políticas e seu potencial pouco explorado”, finalizou.

Após o debate, foi aberto espaço para uma rodada de debate. Roselita Vitor, da coordenação do Polo da Borborema, comentou sobre a desigualdade histórica no acesso a água e sobre a experiência da ASA: “Na época das frentes de emergência, o pobre ganhava uma miséria pra construir açudes nas terras dos fazendeiros pra depois correr atrás de um pouco dessa água. A experiência da ASA conseguiu avançar na democratização do acesso à água. Não acho que só a cisterna é a solução, mas também não é só a Transposição. A gente precisa saber se a água vai chegar para quem mais precisa, porque eu tenho notícia de pessoas que estão perto do Rio São Francisco e que não têm acesso à água”, disse.

A programação comemorativa do Dia Mundial da Água incluiu ainda outras mesas de diálogo, apresentação de experiências envolvendo alunos de escolas de nível fundamental.