Lideranças urbanas e rurais de Campina Grande e região debatem os retrocessos da proposta de Reforma da Previdência atual

Publicado por Aurea Olimpia
Campina Grande, 27 de abril de 2017

18034014_1275425569244350_2157304805389687965_n“A Reforma da Previdência e as ameaças às conquistas da classe trabalhadora” foi o tema do seminário realizado nesta terça-feira (26), pelo Centro de Ação Cultural (Centrac) em parceria com o Fórum de Lideranças do Agreste (Folia). O evento aconteceu no auditório da Vila do Artesão reunindo cerca de 50 pessoas, entre elas catadores e catadoras de materiais recicláveis, trabalhadoras domésticas, agricultores e agricultoras familiares e lideranças de entidades rurais e urbanas representativas da sociedade.

No primeiro momento, houve uma mesa de debate com depoimentos da agricultora Maria do Socorro, do
18033506_1275425072577733_6638243708087859617_n Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca e de Cláudia Luciana Cavalcanti Costa, da direção da Central única dos Trabalhadores da Paraíba (CUT-PB). A mediação da mesa foi feita pela socióloga e assessora técnica do Centrac Ana Patrícia Sampaio. A agricultora Maria do Socorro deu início a sua fala contando sua trajetória de luta junto a outras agricultoras pela conquista de direitos para as mulheres do campo. “Em 1971, a gente começou a fazer um trabalho nos clubes de mães, nesse período as mulheres do campo eram marginalizadas pelos maridos, pelo poder publico e pelo próprio sindicato. Algumas pagavam o sindicato, mas quem se aposentava era o marido. A gente não tinha voz, nem direitos e a gente precisa fazer alguma coisa”, lembrou Maria do Socorro.

18157418_1275425502577690_4482004615732625532_nA agricultora ainda recorda o primeiro Encontro de Mulheres Rurais realizado em 1986, em Brasília. “Nessa época, surgiu o primeiro congresso de mulheres rurais. Saímos em um ônibus com 30 mulheres e foi um evento muito importante pra nossa categoria. Naquele tempo, eles já diziam que, se a previdência para mulheres rurais fosse aprovada, o país iria quebrar e, mesmo assim, não desistimos, conquistamos nosso direito”, afirma a agricultora.

A liderança sindical, Cláudia Luciana, reforçou em sua fala o papel das mulheres dentro dos sindicatos e a importância da previdência como mecanismo de proteção social. “Em 1988, a constituição equipara os trabalhadores rurais com o demais trabalhadores, garantindo as mesmas condições de seguridade. Passamos a ver mais mulheres nos sindicatos, idosos deixaram de mendigar nas ruas e passaram a ser visibilizados, nós passamos a ter merenda nas escolas. E tudo isso, graças a organização da sociedade. Não podemos deixar que depois de tanta luta, haja retrocesso, não vai ser a reforma da previdência, vai ser o fim dela”, ressaltou Luciana.

18056740_1275425359244371_8631514239111168387_nDurante o debate, Mary Alves, coordenadora do Projeto Cooperar para Melhor Coletar, do Centrac, falou sobre como a previdência ainda é falha para algumas categorias, como as trabalhadoras domésticas e os catadores de materiais recicláveis: “Se um catador adoece, ele não tem acesso ao auxílio doença. E porquê isso acontece? Porque o catador não contribui com a previdência. Mas ele não contribui porque a sua renda não permite. Pra um catador que ganha menos de 300 reais por mês, retirar 113 reais da sua renda é muito difícil. Mesmo com a previdência que temos hoje, algumas pessoas ainda tem dificuldade de acessá-la. Se ela se desmonta, as pessoas de baixa renda vão sofrer ainda mais”, disse.

“Quando a gente era menina, ia pra casa da madrinha pensando que ia estudar, mas já começava a ajudar nos serviços da casa, cuidando das crianças, acabava que às vezes nem conseguia estudar e trabalhava até tarde da noite. Isso com oito ou 10 anos de idade. Hoje a nossa categoria conquistou muitos direitos, mas com essa proposta de reforma trabalhista e de reforma da previdência, vamos só ter retrocesso”, afirmou a trabalhadora doméstica Chirlene dos Santos, presidente do Sintrad (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Domésticas de Campina Grande).

No período da tarde, uma mesa de debate discutiu diferentes aspectos do tema do Seminário. Os convidados foram: Eleumar Meneses Sarmento, 18118749_1275425649244342_1369726037908513575_nmédico perito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de Luciano Queiroz, professor do departamento de História da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e de Roselita Vitor, liderança da coordenação do Polo Sindical das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema.

Eleumar Meneses afirmou que o discurso de que a Previdência estaria quebrada e, que, portanto a reforma é uma medida inevitável, é enganosa: “A Previdência integra o  nosso sistema se Seguridade Social, que é formado pelo tripé assistência social, saúde e previdência. O que acontece é que o governo não vem cumprindo com a Constituição, ao não destinar todas as receitas que por lei são para o financiamento da previdência, a exemplo das receitas das loterias, das contribuições em cima do lucro líquidos das empresas, do Fundo de Amparo ao Trabalhador, entre tantas outras. Não há déficit, o orçamento da previdência tem se mantido superavitário”.

O médico e servidor do INSS, entre outros dados, mostrou ainda a lista dos maiores devedores da Previdência, com cifras milionárias. “São, na maioria, empresas que descontam a contribuição previdenciária e não repassam para o governo. Se alegam que precisam do dinheiro, porque não cobrar dos devedores, ao invés de tirar do povo mais pobre?”, questionou.

18198538_1275425809244326_6886064363109421395_nO professor Luciano Queiroz, que também integra o Comitê Contra a Reforma da Previdência de Campina Grande-PB, lembrou que os ataques aos direitos dos trabalhadores brasileiros não se limitam à ameaça da Reforma da Previdência, mas tem diversas frentes, com o congelamento dos investimentos em saúde e educação e a reforma trabalhista, que, segundo ele, põe em cheque a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas): “O discurso é que se precisa ‘modernizar’ a legislação. Ora, se isso significa tirar direitos dos trabalhadores, pois que se dane o moderno, vamos ficar com o tradicional”.

O professor relembrou ainda que, às vésperas Greve Geral proposta para este 28 de abril, o Brasil completa 100 anos de sua primeira Greve Geral, em 1917. Ele também destacou os principais pontos mais criticados da reforma e que em 2016 a Previdência apresentou um superávit de 72 bilhões. “A proposta traz a ideia de que as pessoas que tem auxílios, os trabalhadores rurais, tem que contribuir, ora, se a pessoa já vive na pobreza, como é que vai contribuir? Não é uma reforma, é o fim da previdência social, é transformar os direitos em mercadoria. A gente não pode pensar que os políticos são entidades autônomas. Eles representam alguém, mas a gente tem que perguntar, se é a classe trabalhadora que eles estão representando ou se é a burguesia, o grande capital”.

Roselita Vitor, em sua fala, trouxe o impacto da Reforma na vida das mulheres, sobretudo das mulheres do campo: “Essa reforma está mexendo com18118949_1275425932577647_8021083223880781512_n um setor que alimenta quase 80% do povo brasileiro. Com uma categoria que, com muita luta, conseguiu ser incluída no sistema de previdência como segurado especial. A gente pode dizer que a Previdência tem sido o instrumento de distribuição de renda mais importante no meio rural. As mulheres camponesas sempre fizeram agricultura, mas não eram reconhecidas, enfrentam triplas jornadas de trabalho e ainda tem o problema grave da violência e do machismo. Quando o governo pensa que por terem direito a bolsa família, as mulheres devem pagar a previdência, está dando com uma mão e tirando com a outra”.

Ao final do seminário, os participantes fizeram uma rodada de debate sobre as falas e tiraram como encaminhamento a adesão à greve geral, como uma das ações propostas para o enfrentamento às reformas.

O Seminário conta com as parcerias da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Campina Grande e do Serviço Pastoral do Migrante do Nordeste (SMP-NE). Conta ainda com os apoios das agências de cooperação internacional Comitê Católico contra a Fome e pelo Desenvolvimento (CCFD) da França e Misereor, da Alemanha.