Da negação de direitos ao encarceramento que mata: É preciso parar com o extermínio de jovens negros e pobres no Brasil.

Publicado por Thaynara Policarpo
Campina Grande, 12 de junho de 2017

Ana Patrícia Sampaio de Almeida
Assessora Técnica e Coordenadora do Programa Juventude e Participação
Política do Centro de Ação Cultural – CENTRAC  / 
anapatricia@centrac.org.br

 

Na manhã do dia 03 de junho fomos surpreendidos/as com a triste notícia de que em meio a uma rebelião na Unidade Socioeducativa Lar do Garoto Padre Otávio Santos, situada em Lagoa Seca-PB, sete adolescentes haviam sido brutalmente assassinados, outros dois feridos e 17 haviam fugido.

Estarrece-nos também o fato do Lar do Garoto apresentar problemas graves que inviabilizam qualquer ação Socioeducativa na Unidade.  Imprensa, gestores e operadores do Sistema que visitaram a instituição logo após o ocorrido, referiram-se aos alojamentos como “selas” sem banheiro e superlotadas, com problemas sanitários graves e abastecimento de água precário em nada diferindo das prisões-masmorras geridas pelo fracassado Sistema Penitenciário Brasileiro.

Vários organismos ligados principalmente ao Judiciário e ao Executivo Estadual trataram de fazer considerações sobre o funcionamento da Unidade e da necessidade premente de buscar outra estrutura que pudesse comportar os adolescentes ali “recolhidos”, inclusive sem distinção entre internação provisória e final que funcionavam no mesmo espaço. Todos se centraram na privação de liberdade. Nenhum fez referências às causas estruturais do encarceramento daqueles adolescentes.

Impossível não relacionar essa tragédia com o fato de que crianças e adolescentes de nosso país são expostos às violações de direitos pela família, pelo Estado e pela sociedade, contrariando o que define a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Maus-tratos, abuso e exploração sexual, exploração do trabalho infantil, prisões arbitrárias e homicídios compõem o cenário em que vivem as crianças e adolescentes no Brasil. O recém divulgado Atlas da Violência 2017, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, constata que a população negra, jovem e de baixa escolaridade continua totalizando a maior parte das vítimas de homicídios no país (53% do total de óbitos em 2015 era de jovens entre 15 e 19 anos), são 7 jovens mortos a cada duas horas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado em 1990 e considerado uma das leis mais avançadas na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, coloca em seu artigo 4º: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

Na realidade o ECA prevê uma série de direitos aos menores de 18 anos e de obrigações do Estado e da família que nunca foram implementadas de fato e a prioridade absoluta nunca foi respeitada. Programas de medidas socioeducativas foram pensados não para punir, mas reeducar e reintegra a sociedade, mas na prática inexistem ou têm péssima qualidade, evidenciando uma violência institucional que se caracteriza por superlotação crônica, falta de pessoal e manutenção negligente das unidades, além da violência física praticada por policiais ou por educadores ou agentes de segurança sem preparo adequado.

Não investimos na prevenção e queremos relegar a responsabilidade à internação, realçando os aspectos repressivos em detrimento dos efetivamente socioeducativos. É sabido que os centros destinados à privação de liberdade se regem pelas mesmas leis dos cárceres e presídios para adultos, que sabemos, não recuperam ninguém.

Não será o tempo que os jovens permanecem das Unidades de privação de liberdade que irá tirá-los do mundo da criminalidade. Não é o encarceramento nem os assassinatos em massa da população jovem, pobre e negra que vai fazer diminuir a violência no país. Serão as oportunidades oferecidas e o que fizermos para que essa juventude não precise chegar lá.

São as politicas sociais que possuem real potencial para diminuir o envolvimento de crianças e adolescentes com a violência, pois é de conhecimento geral que as causas da violência como as desigualdades sociais, o racismo, a concentração de renda e a insuficiência das políticas públicas não se resolvem com o encarceramento da pobreza e sim exigem medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo perverso. Tais medidas de natureza social, como a educação tem demonstrado sua potencialidade para diminuir a vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

O que vemos muitas vezes, porém, são oportunidades negadas e uma contínua exclusão, especialmente daqueles/as mais pobres. Excluído/a da família, da escola, do lazer, da profissionalização, do trabalho, negamos as oportunidades, os deixamos à mercê do consumismo e da mídia que banaliza a violência e transforma cotidianamente as tragédias envolvendo adolescentes em circo de horrores a ser exibido em horário nobre.