Guardiões e guardiãs de sementes trocam experiências durante dia de oficinas temáticas nas comunidades rurais de Boqueirão-PB

Publicado por Aurea Olimpia
Campina Grande, 7 de outubro de 2017

O segundo dia de programação da 7ª Festa Estadual das Sementes da Paixão teve início com a divisão dos cerca de 200 participantes em seis oficinas temáticas (1 –“Avanços dos transgênicos”; 2 – “Gestão dos Bancos de Sementes”; 3 – “Sementes de Hortaliças”; 4 – “Sementes de animais”; 5 – “Reuso de água”; 6 – “Resgate, multiplicação e conservação das sementes”). Das seis oficinas, quatro foram realizadas em comunidades rurais e duas no local do evento, a Ritz Eventos e Recepções. A programação das oficinas se estendeu até as 16h, com intervalo para almoço nos locais de realização.

A oficina denominada “Definição de estratégias para o enfrentamento do avanço dos transgênicos na Paraíba” foi facilitada pelos representantes do território da Borborema. No primeiro momento da oficina, foi discutida a diferença entre as sementes da paixão (crioulas) e as sementes transgênicas. Para a agricultora Lita Bezerra, do município de Itatuba, a semente da paixão é cultivada com amor, com cuidado e passa de geração em geração: “É uma semente garantida, que a gente sabe que se for plantada, vamos poder colher todo ano. Já a semente transgênica é modificada em laboratório, não tem garantia”, disse Lita. O agricultor Euzébio Cavalcanti, do Polo Sindical da Borborema, apresentou a experiência da Rede de Bancos Comunitários de Sementes da região e algumas dicas sobre o armazenamento das sementes do milho da Paixão.

A oficina “Gestão, organização e Produção dos Bancos de Sementes Comunitários” aconteceu na comunidade de Canudos, em Boqueirão e marcou também a inauguração do Banco de Sementes Comunitário sediado na localidade. Os visitantes foram recebidos por uma banda de música do distrito Marinho, próximo à Canudos. Segundo as lideranças da comunidade como Danilo Paulino, dona Lourdes e o presidente do banco, seu Erasmo Sátiro, uma das aptidões da casa de sementes é justamente a multiplicação das sementes de hortaliças, como alface, coentro e rúcula, que são materiais de difícil reprodução. Houve ainda um debate sobre as conquistas e os desafios enfrentados na organização e gestão dos bancos de sementes.

Na propriedade Rodeamor, de Célia Araújo e Aldo Gonçalves, foi realizada a oficina sobre Raças Nativas. Para conhecer a experiência agroecológica da família, os participantes se dividiram grupos específicos sobre beneficiamento, armazenamento de forragem e manejo de animais e, por fim, manejo da caatinga e do solo para produção de forragem.

As experiências apresentadas pela família destacam a importância de manter a criação de raças nativas e adaptadas ao semiárido como forma de convivência com o bioma caatinga. O beneficiamento e armazenamento de forragem garantem a qualidade e segurança alimentar das criações, fazendo da vegetação nativa, como a gliricídia, jurema preta, quixabeira e palma, a principal fonte proteica para os animais. Com técnicas de manejo dos animais, estocagem e produção de forragem, Célia e Aldo mantém a criação de galinhas de capoeira e caprinos nativos. A produção de queijo e carne de cabra e ovos de capoeira é escoada por meio da Tenda Agroecológica do Cariri, o ponto de comercialização do Coletivo Asa Cariri Oriental – CASACO.

A propriedade de dona Socorro e seu João, no Sítio Bento, em Boqueirão-PB, recebeu a “Oficina de Produção de Sementes de Hortaliças”. A atividade debateu o cultivo, armazenamento e autonomia das mulheres com a comercialização das hortaliças, bem como a segurança alimentar trazida com o consumo deste tipo de alimento. O momento foi facilitado pelo agroecólogo Ranieri Ferreira, do Centro de Organização Popular – Ceop, de Picuí.

A “Oficina Reuso de Água” para produção de sementes foi realizada no Sítio Três Lagoas, em Boqueirão, na propriedade de seu Antônio Agustinho. O agricultor tem dois sistemas de canos e filtragem para reaproveitamento da água das pias e do banho para a produção de hortas: “O máximo que a gente puder plantar e criar da gente mesmo, não vamos ter que gastar. Já quase não vou para o supermercado e pretendo ir o mínimo possível”, avalia o agricultor.

Para complementar a apresentação das experiências em reuso de águas, a da agricultora Solange Araújo, do Sítio Bernardo, Aroeiras falou da sua experimentação em multiplicação de sementes com a água servida: “Eu tenho uma diversidade de mais de 70 plantas, entre hortaliças, medicinais, forrageiras…uma diversidade que eu considero enorme para a minha região. Com o reuso de água, eu pude ampliar e melhorar o meu ‘arredor’ de casa. Penso muito na saúde e na qualidade da alimentação, pois tenho artrose e preciso me alimentar bem”

Em meio a muitos depoimentos emocionados sobre a paixão pelas Sementes Crioulas, a oficina “Resgate, Multiplicação e Conservação das Sementes”, proporcionou aos participantes o acesso às pesquisas realizadas nos territórios do Cariri e Borborema entre os anos de 2010 e 2012, além das reflexões sobre suas próprias sementes. A pesquisa trata sobre as variedades de milho e sobre o ensaio comparativo do feijão macassar e outras espécies, realizado no território da Borborema entre 2015 e 2016. As duas análises comprovaram que as Sementes da Paixão se comportam com melhor desempenho do que as sementes melhoradas distribuídas pelo governo.

Ao final das oficinas, os participantes elencaram aprendizados, desafios e compromissos acerca de cada tema trabalhado e experiência visitada. Entre os principais compromissos, podemos destacar: reivindicar políticas públicas que estimulem e valorizem a produção de sementes e a criação de animais nativos; mapear guardiãs e guardiões de sementes de animais; implementar campos de multiplicação de sementes da paixão; demandar do governo estadual um Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Sementes; envolver a juventude nos processos de conservação das sementes da paixão; fortalecer ações de comunicação sobre a temática; construir uma unidade estadual em torno de um território livre de transgênicos; fortalecer as pesquisas participativas com sementes da paixão e investir na participação nas feiras agroecológicas.

Encerrando a programação da tarde, houve ainda o lançamento do documentário “Conviver” da Articulação do Semiárido Brasileiro, com depoimentos dos agricultores e agricultoras que contam a história de mudanças de suas vidas a partir da convivência com o Semiárido.