Realizado nos dias 28 e 29 de março, em Campina Grande, na Paraíba, o “Encontro de Articulação das Trabalhadoras Domésticas do Nordeste”, reuniu 45 representantes de sindicatos da categoria de seis estados do Nordeste: Maranhão, Sergipe, Pernambuco, Piauí, Bahia e Paraíba. O encontro foi promovido pelo Centro de Ação Cultural (CENTRAC) em parceria com a Associação das Trabalhadoras Domésticas de Campina Grande, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) e o Fundo Brasil de Direitos Humanos (FBDH). O encontro contou com o apoio financeiro do Governo Federal através da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM).
Antes da mesa de abertura, na noite do dia 28, Chirlene dos Santos Brito da Associação de Campina Grande e Rita de Jesus do Sindicato de João Pessoa deram as boas vindas a todas as participantes do encontro. Estiveram na mesa de abertura Creuza Oliveira, presidenta da FENATRAD, Verônica Ferreira pesquisadora do Instituto SOS Corpo de Recife e Rogério Braz, presidente do Sindicato dos Comerciários de João Pessoa-PB e diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio e Serviços (CONTRACS) e Mary Ibiapino Alves, coordenadora do Programa Direitos e Igualdade de Gênero do CENTRAC que coordenou a mesa e fez o lançamento da Campanha “Nenhum Direito a Menos – pela efetivação do trabalho doméstico decente”, que estará com material nas rádios e nos espaços em que as trabalhadoras domésticas tem acesso a partir do mês de abril.
Em sua fala Creuza Oliveira relembrou a história de parceria da FENATRAD com a Associação das Trabalhadoras Domésticas de Campina Grande que existe desde a década de 80. Lembrou nomes de pessoas importantes para a luta da categoria como o de Anaíza Oliveira, fundadora da Associação: “A gente está com um grande desafio nas nossas mãos, que é o de continuar essa luta. Anaíza e as outras foram umas guerreiras, porque se pra nós hoje não é fácil, imagine para elas, que vieram quando não tinha nada, nenhuma conquista. Então a gente precisa alimentar esse sonho. Eu tinha um sonho, que um dia a gente ainda ia ter um sindicato, com banheiros para homens e para mulheres, porque antes nos sindicatos só tinham o dos homens, pois a política não era um espaço para as mulheres, fomos nós que fomos conquistando esse espaço e por isso a gente não pode deixar de acreditar na luta”, afirmou.
A assistente social e pesquisadora Verônica Oliveira, falou sobre os ganhos da aprovação em março de 2013 da Proposta de Emenda Constitucional nº 72, conhecida como a “PEC das Domésticas”, que equiparou uma série de direitos das trabalhadoras domésticas aos demais trabalhadores formais. Além da reação conservadora que a categoria vem enfrentando para regulamentar esses direitos: “A grande conquista foi tirar o trabalho doméstico da invisibilidade, tirar temas como a jornada de trabalho da invisibilidade. Aí logo veio a reação conservadora: ‘como assim não vou chegar em casa à noite e ter a minha trabalhadora doméstica para me servir?’, muitos se perguntaram. Pois a EC tocou numa relação de 500 anos marcada por relações patriarcais e racistas. E agora há todo um movimento para que estas conquistas não se efetivem, por isso estamos em um momento estratégico na luta pela garantia destes direitos conquistados”, disse a pesquisadora.
Rogério Braz da CONTRACS reafirmou as bandeiras de luta da Confederação e o apoio político, jurídico e até financeiro que a entidade presta aos sindicatos. Atualmente, segundo o diretor, a CONTRACS possui 252 sindicatos filiados, representando algo em torno de 3 milhões de trabalhadores. Entre as bandeiras de luta estão salário igual, para trabalho igual; fim do banco de horas; redução da jornada de trabalho sem redução de salário; creches públicas de qualidade em tempo integral e fim do trabalho aos domingos e feriados. Um momento de debate entre as participantes e os convidados seguiu as falas da mesa e o primeiro dia de encontro foi encerrado com um coquetel.
Segundo dia – O sábado, dia 29, começou com uma dinâmica de abertura e em seguida apresentação das participantes. Foi realizada uma roda de conversa para debater a atual conjuntura da luta das trabalhadoras domésticas e o cenário político das propostas de regulamentação da EC nº 72 que estão tramitando no Congresso. Foram identificados os desafios e avanços neste processo, bem como as entidades, representantes e instituições aliadas como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), a Secretaria de Políticas de Igualdade Racial (SEPIR), ambas do Governo Federal, as integrantes da bancada feminina dos partidos de esquerda da Câmara e do Senado, notadamente a Senadora Benedita da Silva (PT-SP) e entidades da sociedade civil como o SOS Corpo, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), o CENTRAC entre outras.
Foram identificados ainda alguns atores cuja atuação representa uma ameaça para a luta da categoria a exemplo da organização que se denomina “Doméstica Legal”, que se diz representante das trabalhadoras, mas na verdade está unida com setores patronais tentando aprovar projetos que reduzem os direitos das trabalhadoras domésticas; a mídia conservadora que naturaliza a cultura do desrespeito à categoria e o Congresso Nacional, formado majoritariamente por uma classe que explora as trabalhadoras domésticas, citada ainda a atuação do PMDB que está com a relatoria do projeto de regulamentação da EC nº 72. “A comissão convocou a FENATRAD para que dissesse o que defendia, disso nada foi acatado na proposta e o relator Romero Jucá (PMDB-RR) ainda saiu dizendo que a proposta de regulamentação que eles montaram tinha sido acordada com a representação da categoria. Essa proposta não só não garantiu os direitos como aproveitou para incluir violações as últimas conquistas como é o caso do banco de horas que precariza o direito a férias da trabalhadora”, afirma Verônica Ferreira.
Na tarde do segundo e último dia as participantes do encontro se dividiram em três grupos para refletir e debater duas questões norteadoras: 1) Quais os desafios que enfrentamos enquanto mulheres trabalhadoras domésticas para nossa organização política? E quais estratégias apontamos para enfrentá-los? 2) Quais os desafios que identificamos para o nosso movimento de trabalhadoras domésticas? E quais estratégias apontamos para enfrentá-los? Do trabalho nos grupos saíram propostas importantes como a construção de uma carta de reivindicações para ser entregue aos parlamentares no ano eleitoral; convocatórias para que mais trabalhadoras se somem à luta como visitas a escolas noturnas, associações comunitárias, grupos de educação de jovens e adultos, etc.; trazer para a pauta dos sindicatos temas como habitação, o acesso a outras políticas públicas e usar mais as redes sociais como espaço de visibilidade dos direitos.
Após a socialização dos grupos Ramon Leite e Gilmara da Mata estudantes do curso de Educomunicação da Universidade Federal de Campina Grande, que vem desenvolvendo um projeto com a Associação de Campina Grande apresentaram às trabalhadoras a proposta do documentário que estão produzindo sobre a entidade. “A proposta seria já lançar o vídeo aqui no encontro, mas infelizmente enfrentamos uma paralisação dos servidores da universidade que também fez parar os laboratórios, atrasando a finalização do material”, explicou Gilmara.
Ângela Maria Barbosa trabalha como doméstica há 44 anos e há cerca de três participa do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Recife. Ela saiu do encontro muito satisfeita com os debates e os conhecimentos compartilhados. Segundo a trabalhadora só a luta pode trazer as conquistas necessárias para a sua categoria: “Do céu só cai água. Toda vitória vem da luta e não tem luta que não traga uma vitória”, afirma.