Cerca de 60 pessoas, entre representantes de movimentos de mulheres, agricultores e agricultoras, indígenas, estudantes, integrantes de universidades e de organizações não governamentais de cinco países do Cone Sul estiveram reunidos no Rio de Janeiro entre os dias 26 e 28 de novembro durante um intercâmbio de saberes.
A atividade é uma iniciativa da Plataforma Mercosul Social e Solidário – PMSS, formada por organizações sociais da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai que contam com o apoio do CCFD Terra Solidária. O intercâmbio acontece em um momento de forte instabilidade política, com reflexos na vida dos cidadãos e cidadãs e consequentemente nos rumos da luta política dos atores sociais da região.
Lirayén Reyes, é cientista social e integrante da Fundacción Educación Popular en Salud – EPES, de Santiago do Chile e acredita que a saída para conflitos como o que seu país está vivendo passa pelo caminho da construção de poder popular em todos os lugares e esferas da vida, para o qual momentos como o deste intercâmbio são muito importantes.
“É fundamental nos encontrarmos para conversar sobre o que está acontecendo, sobre o que as organizações estão fazendo e as diversas formas de resistência frente à investida do Capital em toda a América Latina. Acreditamos que não é uma coincidência, são estratégias globais para ocupação de territórios e formas de saque em uma espécie de neocolonização, extrações de matérias primas, que são nossos bens comuns”.
A programação do intercâmbio se dividiu entre momentos de debate e troca entre participantes e momentos de visitas a experiências locais nas áreas da economia solidária e da agroecologia, em diferentes cidades do Rio de Janeiro onde se inserem parceiros do Centro de Ação Comunitária – Cedac.
Na Aldeia Indígena Kyringue Aranduá, no município de Maricá, os visitantes ouviram o Cacique Félix, que falou sobre a histórica disputa por território dos indígenas: “Não foi o dinheiro nem o governo que fizeram essa terra, ela já existia e nós, indígenas, já vivíamos nela muito antes do branco chegar. Temos direito de estar nela, mesmo que digam que não. Os indígenas tem o mesmo direito que qualquer outro povo, é tanto que na eleição os políticos sabem vir aqui pedir votos para eles”, disse a liderança.
Ainda em Maricá, o grupo visitou uma das agências do Banco Mumbuca, experiência de finanças solidárias inspirada no Banco Palmas, de Fortaleza-CE. Em Maricá, a iniciativa teve início no município em 2013, a princípio como moeda social para a implementação de um programa de distribuição de renda e se expandiu. ‘Mumbuca’ atualmente também dá nome a moeda e ao cartão de crédito que já é aceito em mais de 3 mil estabelecimentos comerciais. O banco atualmente tem 9 linhas de crédito, 4 agências e uma taxa de zero inadimplência. Para Natália Shiamarella, presidente da Associação Banco Comunitário Popular de Maricá, o Mumbuca ajudou na democratização do acesso aos serviços bancários, por ser o único a ter agência em cada um dos distritos do município de aproximadamente 150 mil habitantes, além de fornecer crédito em sua maioria para mulheres.
O que nos une? – Com esta pergunta os participantes do intercâmbio refletiram durante o dia 27 de novembro sobre as lutas e temas comuns ao território em que vivem como a resistência, a visão política centrada na justiça social, a defesa de um novo modelo de produção, o respeito à diversidade e os desafios compartilhados foram algumas das respostas. O feminismo, a economia solidária, a soberania alimentar, a luta por moradia e a educação popular foram lembrados como temáticas comuns.
O exercício coletivo de análise do contexto regional foi feita em uma rodada por país em que foram trazidos temas como a movimentação popular que ocorre no Chile, a derrota da Frente Ampla de Esquerda no Uruguai, os golpes ocorridos na região desde 2010 e a virada de rumos na Argentina. “Após um ciclo de governos de esquerda na região, vivemos um processo contra-revolucionário, onde os Estados Unidos claramente interferem para criar um cenário de desestabilização política, assim como foi feito no Oriente Médio, e a América Latina é a bola da vez”, avalia Ana Patrícia Sampaio, da Secretaria Executiva da PMSS.
No dia 28 de novembro, o grupo participante do Intercâmbio visitou o Sítio Santa Bárbara, no município de Magé, na Baixada Fluminense. No local, conheceram a experiência de dona Juliana Medeiros, agricultora de 73 anos, uma paraibana da cidade Cuité que há mais de 20 anos deixou trabalhos de cozinheira, garçonete e vendedora ambulante para se dedicar à produção agroecológica na propriedade de dois hectares, onde produz uma diversidade mais de 60 tipos de frutas e hortaliças e mais de 20 Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs).
Em um espaço montado em sua casa, criou a “Cozinha Colher de Pau”, projeto com um grupo de mulheres do município que prepara buffets agroecológicos para encontros, confraternizações e outros eventos com apoio do Cedac. Além disso, a agricultora ainda comercializa a sua produção em feiras agroecológicas e vende cestas de produtos sem veneno sob encomenda.
No sítio, o grupo de visitantes trocou conhecimentos e arregaçou as mangas participando de oficinas práticas de produção de sabão, compostagem, xarope com ervas medicinais, construção de tijolos ecológicos, plantio de mudas, aproveitamento de alimentos e construção de tanque de peixes com garrafas pet. “É uma grande responsabilidade receber esse grupo aqui, mas que isso é uma grande honra, agradeço a todos vocês, trabalho aqui há mais de 20 anos e isso aqui é minha vida, meu maior sonho é fazer desse sítio 100% agroecológico”, finalizou Juliana.