Em 2021, a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia vai ser diferente porque “não podemos nos calar”

Publicado por Thaynara Policarpo
Campina Grande, 2 de março de 2021

A mobilização, que chega a 12ª edição, sai das ruas e denuncia, na internet, a sobrecarga de trabalho ampliada pela pandemia e anuncia o papel das mulheres nos cuidados com a alimentação e a agroecologia

Estamos nos aproximando do fim de fevereiro e, no início de março, é tempo de uma marcha que reúne milhares de mulheres do campo desde ano 2010 na região de atuação do Polo da Borborema. É a tradicional Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. No ano passado, a 11ª edição aconteceu em Esperança e foi a última atividade que reuniu muita gente que o Polo e a AS-PTA realizaram. E este ano vai ter a Marcha?

Quem responde é Roselita Vitor, da coordenação do Polo – uma rede territorial de sindicatos rurais de 13 municípios, mais de 150 associações comunitárias e uma associação de produtores agroecológicos, a EcoBorborema: “Nós, mulheres camponesas do Polo da Borborema, estamos vivendo nosso momento de preparação da 12ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. Vamos realizar a nossa Marcha de uma forma diferente das outras que já fizemos, que a gente se encontrava, revia as companheiras, escutava seus depoimentos, suas histórias de superação e, no dia 8 de março, a gente sempre se encontrava nesta caminhada de 6 mil mulheres. Mas, mesmo nesta pandemia, nós temos a clareza de que não podemos nos calar e é preciso nos reinventar no cenário desafiador que estamos vivendo.”

“Precisamos dizer para a sociedade o quanto tem sido dolorida a pandemia na vida das mulheres. Passamos a ter aumento de trabalho. As crianças em casa, todo mundo em casa. As tarefas domésticas e de cuidados triplicaram. O que temos percebido são mulheres exaustas, cansadas. E, se isso já era uma realidade, com a pandemia, dobrou”, ressalta Rose, como é conhecida, acrescentando que há outra coisa que as mulheres querem denunciar…

“A conjuntura violenta, cada vez mais, no Brasil contra as mulheres. Porque há todo um discurso de conservadorismo, de que essas coisas [do crescimento do trabalho das mulheres, por exemplo] não precisam ser ditas e que é preciso construir a moralidade no país silenciando a voz das mulheres, das mulheres negras, da periferia, do campo”.

Live “Sem cuidado não há vida” – E, apesar da pandemia, no dia Internacional das Mulheres, a Marcha vai acontecer pela internet. Em vez de caminhada, várias mulheres vão falar, dar seus depoimentos e tudo vai ser transmitido pelas redes sociais. A live a começa às 16h e pode ser vista pelos canais do Youtube e Facebook do Polo da Borborema e da AS-PTA.

Mesmo sendo uma marcha virtual, as instituições organizadoras acreditam que “será um momento de muita energia, vibração, de sentir o calor das companheiras que estão lá nas comunidades rurais, com suas vizinhas, com seus filhos e filhas acompanhando nosso debate e discurso de que é preciso resistir, é preciso ecoar nossa voz”, afirma Rose.

E como driblar as dificuldades de acesso à internet que o campo vive? Para isso, a juventude está sendo convocada. A moçada jovem vai dar suporte para que a live possa ser vista nas comunidades pelo maior número de pessoas possíveis.

Depois da live, segue o processo de debates e conversas sobre o tema da Marcha. O planejamento do Polo e da AS-PTA é que haja reuniões comunitárias envolvendo, ao todo, cerca de 600 mulheres. Para dar início ao clima da Marcha, foram organizados dois espaços nas redes sociais e desde o dia 10 de fevereiro, estão sendo publicados nas redes sociais do Polo, da AS-PTA e da Marcha 30 vídeos com agricultoras falando do impacto da pandemia na vida delas.

O canal no Instagram da Marcha foi lançado na semana passada e já tem vários depoimentos de agricultoras, jovens e lideranças sobre a importância da Marcha na vida delas, como estes:

“Acho que todo mundo foi pego de surpresa. Um momento muito novo, difícil para todos nós, principalmente para nós mulheres. A gente está conseguindo se habituar nesse momento, mas ainda está muito difícil. Muitas companheiras nossas entraram em depressão e a gente só não entra em depressão se a gente estiver juntas. Mesmo longe uma da outra, a gente está sempre em contato, sempre segurando uma a mão da outra, nos fortalecendo nesse momento pra gente não cair, porque essa pandemia é difícil pra nós mulheres”, conta Anilda, agricultora de Remígio-PB, no insta da Marcha.

“Se não fosse a Marcha, eu não chamaria mais Ligória! Porque a Marcha tem uma história muito forte na minha vida e na da minha família também. Eu aprendi a lidar com a violência, aprendi a me defender e também a ter minha autonomia, que eu não tinha. Essa Marcha veio me dar bastante sabedoria”, depoimento de Ligória, agricultora de Esperança-PB, também no instagram.

“Pra mim, a Marcha das mulheres mudou a minha vida de forma porque eu tive conhecimento de coisas que eu não tinha antes. Como eu não sabia que o marido em casa querer que a gente desse tudo prontinho na mão dele, que aquilo ali era um tipo de exploração e agora eu sei que é. Até ele mesmo já mudou o comportamento em casa. Então pra mim, a Marcha teve um grande desenvolvimento pra mim. Eu gosto de participar, eu me sinto à vontade no dia da Marcha por conta disso”, conta Tereza, agricultora de Alagoa Nova-PB também nesta rede social.

No início da pandemia, a escuta de mulheres – Em abril de 2020, a AS-PTA e o Polo fizeram uma escuta com as mulheres para saber como elas estavam vivendo aqueles dias iniciais da pandemia. Neste período, ainda não tinha chovido na região e estavam sem produzir alimentos. A pesquisa foi enviada por WhatsApp para 30 mulheres, 24 delas responderam. Em geral, as mulheres falaram sobre o impacto material, principalmente pela redução da renda devido ao fechamento dos espaços de venda de seus produtos. Falaram sobre o rápido empobrecimento das comunidades e até do retorno à fome, já que muitos não tinha qualquer produção.

“Mas elas trouxeram também muitas questões do campo emocional e afetivo – falaram do medo da doença, pânico em ser contaminadas, a saudade por não poder encontrar suas mães ou filhos naquele começo de pandemia”, conta Adriana Galvão, assessora técnica da AS-PTA que acompanha de perto a organização da Marcha e o trabalho com as mulheres realizado na região do Polo.

Na pesquisa, as mulheres relataram também o aumento do trabalho dos cuidados em casa. E, ainda por cima, elas tinham que lidar com toda a insegurança gerada por filhos adolescentes e maridos que negavam a doença e não se isolavam. Além disto tudo, havia a dificuldade de partilhar todos estes desafios, dificuldades e receios com outras pessoas devido ao estado de isolamento, necessário para evitar a contaminação do coronavírus.

“O estado foi ausente no tratamento da pandemia e acabou transferindo para as mulheres todo o ônus desse momento”, reflete Adriana. “Foram as mulheres que cuidaram dos doentes. Foram as mulheres que alimentaram a famílias. Foram as mulheres que se responsabilizaram pela educação dos filhos. As mulheres, se responsabilizaram pela sustentação da vida. E o mais desafiador disso tudo é desnaturalizar que esse trabalho seja única e exclusivamente responsabilidade delas, que isso é um trabalho natural das mulheres”.

Por esta razão, para desnaturalizar as situações de exploração da mulher, é que as mulheres do Polo da Borborema reinventam seu espaço de denúncia e vão ocupar o domínio virtual para dizer ao mundo como vivem e reafirmar o primordial papel assumido pelas mulheres, nesta pandemia, com relação à alimentação.

“Esta Marcha traz o debate sobre os cuidados e sem os cuidados não há vida. A história das mulheres é marcada pelo cuidado com a vida e é por isso que estamos na luta pela agroecologia, por um alimento puro, livre de agrotóxico, não só para o mundo rural, mas para todas as pessoas”, arremata Rose.