O Centro de Ação Cultural (CENTRAC) tem realizado diversas formações sobre a conservação e o armazenamento de sementes crioulas (da paixão) com famílias agricultoras dos municípios que integram o Fórum de Lideranças do Agreste (Folia). As formações têm como objetivos aprimorar as capacidades de conservação, seleção e multiplicação de sementes das famílias guardiãs das sementes da paixão; valorizar as práticas tradicionais de seleção, multiplicação e conservação das sementes da paixão pelas famílias e fortalecer a gestão dos Bancos Familiares e Comunitários de Sementes.
Muitas famílias já deram início ao plantio em seus roçados e nos campos comunitários de multiplicação de sementes, logo após as primeiras chuvas de março de 2022. “A gente já plantou no campo de multiplicação. Tem milho, tem fava, a esperança é que as chuvas continuem pra gente ter uma boa colheita”, disse o agricultor Marcos Eloi, do Assentamento José Antônio Eufrouzino, que mesmo esperançoso está preocupado com a irregularidade das chuvas dos últimos anos.
O agricultor afirmou ainda que em 2019 as famílias agricultoras do Assentamento tiveram uma boa colheita de milho. Em 2020 houve uma perda significativa das sementes crioulas, devido às chuvas irregulares. O plantio deste ano só foi possível graças a doação de sementes de milho crioulo realizada através do Projeto “Educação Ambiental em Temos de Pandemia: Fortalecendo a soberania alimentar e nutricional no campo-cidade”, desenvolvido pelo Instituto Federal da Paraíba (IFPB) Campus Campina Grande, em parceria com o CENTRAC.
Os Bancos Comunitários de Sementes (BCS) dos Assentamentos Pequeno Richard e José Antônio Eufrouzino receberam 780 kg de sementes de milho crioulo doadas pelo Projeto do IFPB e 1.020 kg de sementes (com testagem livre de transgênicos), doadas pelo CENTRAC, que também apoiou a estruturação dos BCS com a doação de estantes.
Estratégias de conservação das sementes
As estratégias de conservação das sementes da paixão adotadas pelas famílias agricultoras do Folia mais utilizadas são: a conservação das sementes nos Bancos Comunitários e nos Bancos Familiares de Sementes; a multiplicação das sementes em campos familiares e coletivos; o monitoramento da contaminação das sementes de milho por sementes transgênicas e a reserva das sementes de segurança nos BCS e Familiares, como medida de precaução contra as secas, ataque de pragas ou outros imprevistos, ou seja, nunca se planta todo o estoque de sementes armazenados nos bancos.
Essa estratégia de conservação e gestão coletiva e familiar das sementes da paixão nos bancos de sementes vem passando de geração em geração e garantindo a autonomia das famílias agricultoras com relação ao mercado de insumos. As diversas sementes são armazenadas em garrafas, sacos e conservadas e multiplicadas no campo ou no quintal, como a palma, a mandioca e as sementes de animais. “Meu pai selecionava as melhores sementes para plantar, porque ele dizia que era assim que dava a semente boa. E a semente da paixão é essa que a gente conhece, sabe o que tá plantando”, contou a agricultora Maria Auxiliadora Almeida, do município de Boa Vista, que participou da formação sobre sementes no Assentamento Pequeno Richard, em Campina Grande.
O CENTRAC tem monitorado 12 BCS do Território do Folia distribuídos em 05 municípios (Campina Grande, Mogeiro, Aroeiras, Fagundes e Itatuba). Em 2021, o estoque de sementes foi de 4.283 k, distribuídas em 12 espécies e 86 variedades. Com relação a contaminação das sementes de milho da paixão por sementes transgênicas em 2021, foram realizados 22 testes, sendo 11 positivos para transgenia, ou seja, 50% das sementes testadas estavam contaminadas por transgênicos.
Nessa mesma perspectiva e tendo em vistas a conservação e multiplicação das sementes animais, que também são ameaçadas pelas mudanças climáticas, o CENTRAC está trabalhando em parceria com o GT de Criação Animal da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba) e a Secretaria de Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido do Estado, através de um projeto de Conservação das Raças Nativas de Animais. No território do Folia 20 famílias estão sendo beneficiadas com esse projeto piloto para multiplicação de caprinos, ovinos e galinha de capoeira. A proposta é que as famílias multipliquem essas sementes repassando no período certo, através dos fundos rotativos solidários, para que novas famílias também possam multiplicá-las.
As mudanças climáticas ameaçam a conservação das sementes
As mudanças climáticas se expressam no território do Folia através das secas, irregularidade das chuvas e elevados índices de evapotranspiração e aridez, o que tem ameaçado a multiplicação e conservação das sementes da paixão vegetal e animal e toda a biodiversidade.
Para avaliar de forma coletiva os efeitos das mudanças climáticas junto com as famílias agricultoras, o CENTRAC realizou um processo de instalação de pluviômetros nos municípios de Campina Grande, Aroeiras e Mogeiro. Em Campina Grande, foram instalados nos Assentamentos José Antônio Eufrouzino e Pequeno Richard. Neste último, por exemplo, no mesmo período, as famílias agricultoras registraram chuvas de 2mm num determinado lote e de 5mm em outro, durante o mês de abril. Já no assentamento vizinho, José Antônio Eufrouzino, para o mesmo período, o registro foi de 52 mm.
Esse processo de medição dos índices pluviométricos tem permitido a troca de informações entre as famílias agricultoras do Folia e tem visibilizado as irregularidades das chuvas dentro do território e até no mesmo município. A proposta é que as famílias possam usar também essas informações na incidência política nos espaços de decisão e construção de políticas públicas de acesso a água de beber e produzir.
As estratégias do Folia no enfrentamento às mudanças climáticas
Para fazer o enfrentamento as ameaças das mudanças climáticas, o CENTRAC e o Folia lançaram em 2021 a Campanha “Multiplique sementes crioulas – conserve memórias no mundo”, com o objetivo de contribuir com a conservação da agrobiodiversidade a partir do resgate e conservação das sementes crioulas, vegetais e animais, como patrimônio material, imaterial e cultural dos povos.
Além da estocagem de sementes, e buscando a convivência como semiárido, no território do Folia, recorre-se a estocagem de forragem e água em tecnologias sociais de captação e armazenamento de água, a exemplo das cisternas de água de beber, barreiros trincheiras, tanques de pedra, barragem subterrânea e os sistemas de reuso de água tem favorecido a produção vegetal e animal.
Com o apoio da organização espanhola Manos Unidas, o CENTRAC tem implementado também outras práticas de manejo e conservação da água e do solo, a exemplo do Barramento de Base Zero, visando reter os sedimentos produzidos pelo processo erosivo. Com isso busca também promover o ressurgimento da biodiversidade da caatinga, a melhoria do solo com promoção gradual da fertilidade e oferta de água e ainda contribuir para a preservação do meio ambiente.
Tais iniciativas têm contribuído para a preservação do meio ambiente, a melhoria da qualidade de vida e a conservação das sementes crioulas, através da parceria entre as famílias agricultoras e as organizações comprometidas com a produção e reprodução da vida e convivência com o semiárido.