Essa foi a principal mensagem deixada, hoje, na Feira de Produtos Agrecológicos realizada no centro de Campina Grande em alusão ao Dia Mundial da Alimentação
Na última quinta-feira (20), a praça Clementino Procópio, no centro de Campina Grande, na Paraíba, se encheu de barracas com uma grande diversidade de alimentos frescos e beneficiados, mudas de plantas, artesanatos e cosméticos naturais. Dava gosto de ver as 22 barracas com as famílias agricultoras agroecológicas expondo seus produtos cultivados e produzidos em várias regiões do estado: Cariri, Agreste, Borborema, Seridó e Curimataú. Uma fartura de alimentos que evidencia que o problema da fome no Brasil não tem a ver com a oferta de alimentos e, sim, com escolhas políticas.
Esta edição da Feira Regional de Produtos Agroecológicos, alusiva ao Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro), teve como tema a defesa de um direito básico, fundamental, imprescindível à vida: o direito de se alimentar em quantidade e qualidade suficiente para as necessidades do organismo.
Faixas, banners e falas denunciavam a presença silenciosa da fome entre os brasileiros e brasileiras. Num país do tamanho de um continente, com imensas extensões de terras e com milhares de famílias agricultoras, só há fome se não houver mecanismos de proteção social da população que vive em situação de vulnerabilidade social.
E foi isso que a feira, como ato público promovido por organizações, redes e conselhos da sociedade civil e instituições públicas de ensino, evidenciou. “Estamos aqui, em praça pública, reafirmando mais uma vez que a agroecologia é o nosso modelo de produção de alimentos, capaz de produzir livre de agrotóxicos, livre de transgênicos, livre do sangue das mulheres e da exploração dos negros”, anunciou Maria Madalena Medeiros, do Centrac, uma organização que faz parte da Articulação Semiárido Paraíba (ASA PB) e do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea PB).
“De 2020 a 2021, no Brasil, mais de 14 milhões de pessoas passaram a não ter o comer. Isso é um resultado direto dos cortes das políticas públicas de enfrentamento à fome por parte do atual governo federal. Políticas de uma importância enorme como o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos – que comprava alimentos produzidos por muitas famílias agricultoras que estão aqui na feira e os doava para pessoas que não tinham comida. É obrigação do Estado brasileiro por alimento na mesa dos brasileiros que não têm como se alimentar. A fome não é algo natural”, acrescenta Madalena.
E complementa deixando um recado para os ouvintes: “Nesse contexto de eleições, é muito importante saber quem defende essas políticas” e segue denunciando o aumento dos agrotóxicos no Brasil, que é campeão mundial em uso desses venenos que intoxicam quem produz e quem consome, além de deixar o solo, a água e o ar contaminados por anos.
Para Nelson Ferreira, agricultor familiar, um dos diretores do Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Lagoa Seca e da coordenação política do Polo da Borborema, um coletivo de sindicatos rurais, a fome é algo contraditório. “A gente percebe a contradição quando olhamos para as nossas terras, no território da Borborema, onde há a força da agricultura familiar, que produz alimento suficiente para abastecer o campo e a cidade. A fome é a falta de consciência política. Ela é resultado da desigualdade social e da concentração das terras e da renda”, destaca.
No microfone, falando no palco improvisado no coreto da praça, onde o trio de forró anima quem está ou passa na feira, Sérgio Oliveira reforça: “Aqui, nesta feira, estamos dizendo que há, sim, como produzir alimentos sem veneno, enquanto o governo libera pacotes de venenos. A gente quer a volta de políticas públicas para que uma feira como essa seja expandida para vários outros lugares.” Sérgio é da coordenação executiva da ASA Paraíba e agricultor familiar agroecológico do território do Fórum de Lideranças do Agreste (Folia).
No tocante aos agrotóxicos, a professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), do campus de Lagoa Seca, Shirleyde Santos, só tinha preocupações com o atual cenário de liberações de substâncias tóxicas para uso nas lavouras do Brasil. “O Congresso está prestes a aprovar o PL [Projeto de Lei] do Veneno, que traz uma série de desmontes para esse campo”, atesta ela, elencando algumas ameaças que serão oferecidas como presente-cancerígeno dos deputados e senadores para todos os/as brasileiros/as.
“Se hoje, as decisões sobre o uso dos agrotóxicos são resultado da decisão de três ministérios – Agricultura, Meio Ambiente e Saúde – imagina quando só o da Agricultura tiver o poder de decidir?”, indaga, lembrando também que, desde 2019, começou a vigorar uma nova classificação toxicológica que desconsidera os perigos de duas categorias antes tidas como tóxicas.
“Nesse PL do Veneno também querem substituir o nome ‘agrotóxicos’ por ‘pesticidas’”, salienta a professora, anunciando que se trata de uma jogada para dizerem que “nem tudo é tóxico” e aprovar ainda mais os agrotóxicos porque a legislação permitirá.
Também estavam na feira, a presidenta do Consea Paraíba, Mãe Renilda de Albuquerque, e o secretário estadual executivo de Economia Solidária, Cassiano Pereira.
Em outro lugar de contribuição para que o Brasil dê passos importantes para a superação da fome e para ampliar as feiras agroecológicas, está quem leva para casa o que as famílias agricultoras vendem com preço justo. Hoje, passaram pela feira na praça Clementino Procópio, várias pessoas, entre elas, Giselle Araújo, Edna Ramos e Savanna Aires. Todas as três, moradoras de Campina Grande, compraram algo saudável para alimentar a família. Cliente da feira semanal realizada em Catolé, todas as sextas-feiras, Edna levou para casa várias sacolas pra aproveitar a iniciativa realizada bem no espaço em que ela ia passando pela manhã.
A Feira regional foi realizada pelo Grupo de Trabalho de Comercialização da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba), o Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea Paraíba), o Fórum Paraibano de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional e a Plataforma Mercosul Social e Solidário (PMSS). O evento contou com a parceria do Núcleo de Extensão Rural em Agroecologia (NERA/UEPB), a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida e apoio financeiro das agências de cooperação internacional Misereor, CCFD Terra Solidária e a Lauds Foundation.