A escassez de água no Semiárido Paraibano tem sido uma preocupação constante para as famílias agricultoras da região. Para enfrentar esse desafio e promover uma produção de alimentos mais sustentável, está em andamento um projeto de pesquisa inovadora, intitulado “Validação de uma Tecnologia Social de Tratamento e Reuso de Águas de Uso Doméstico para produção agroecológica”.
O projeto tem como objetivo implementar, monitorar e validar uma tecnologia social de tratamento e reutilização de água de uso doméstico. Foram implementados nove sistemas piloto, distribuídos em três municípios do Estado da Paraíba, em seis localidades diferentes, englobando famílias agricultoras de território quilombola e de assentamentos da reforma agrária.
A iniciativa conta com o apoio da World Transforming Technologies (WTT) e tem como parceiros o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o PATAC, o Centro de Ação Cultural – CENTRAC e a ASPTA – Agricultura Familiar e Agroecologia.
A tecnologia social, reuso de água, consiste no tratamento e reutilização das águas provenientes de pias de banheiro, cozinha, chuveiros e lavagem de roupas, denominada de águas cinzas. Sendo o sistema de tratamento e reúso de águas cinzas caracterizado por uma dupla filtração: um filtro anaeróbio (fechado) com fluxo ascendente e um filtro aeróbio (aberto) intermitente com fluxo descendente e um reservatório para a água de reúso. O filtro anaeróbio possui meio filtrante em brita e opera em regime “afogado” (sempre cheio de água), proporcionando o crescimento bacteriano no leito filtrante, o que permite não só a filtração da água, mas também a degradação da matéria orgânica contida na água cinza, por meio da digestão anaeróbia.
O filtro aeróbio possui meio filtrante composto por areia grossa e não trabalha “afogado” (cheio), tendo regime de escoamento intermitente. Outra inovação da tecnologia é a construção da caixa de gordura em formato cilíndrico e mais elevada, visando facilitar a limpeza do local.
George Lambais, biólogo e pesquisador do INSA, destaca a importância da pesquisa: “É essencial realizarmos análises físico-químicas e microbiológicas, seguindo as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para reuso agrícola. Com isso, garantimos que a água tratada (água de reuso) esteja adequada aos padrões de segurança sanitária recomendados para cultivo de espécies vegetais.”
Para alcançar a validação da tecnologia social de tratamento e reuso de águas cinzas, a pesquisa prevê coletas e análises das águas em intervalos de quinze dias durante seis meses. Os pontos de coleta de amostras de água (antes de entrar no sistema de tratamento e após o tratamento) foram definidos para avaliar a eficiência do sistema de tratamento. Com isso, é possível identificar a dinâmica do sistema de tratamento ao longo do tempo, visando principalmente a diminuição da quantidade de bactérias (Escherichia coli).
Os resultados preliminares da pesquisa já demonstraram a eficiência da tecnologia com destaque para sua facilidade de manutenção, capacidade de desinfecção (redução de bactérias) e baixa turbidez da água tratada.
Além dos benefícios ambientais, a implementação dessa tecnologia tem proporcionado importantes avanços sociais e econômicos para as famílias agricultoras. Os quintais produtivos, em transição agroecológica, são espaços de experimentação, gestão e autonomia, contribuindo para a soberania alimentar, a geração de renda das mulheres e a conservação da biodiversidade.
Avanir de Oliveira Andrade, uma das agricultoras beneficiadas pelo projeto, do Assentamento José Antônio Eufrouzino, em Campina Grande, já tem uma diversidade de frutíferas: goiaba, graviola, banana, pinha, acerola, abacaxi, coco, maracujá, melancia e mamão e forrageiras que agora cultiva em seu quintal produtivo. Tudo produzido com irrigação por gotejamento num espaço cercado por telas, protegendo a plantação dos animais que a família cria.
Em um contexto de estiagem prolongada e vulnerabilidade quanto ao acesso a água, iniciativas como essa se tornam essenciais. O reúso de água não apenas conserva um recurso precioso, mas também fortalece a resiliência das comunidades rurais frente aos desafios climáticos. Promove ainda o saneamento rural com o descarte adequado das águas de uso doméstico, evitando poluição dos solos e das fontes naturais de água com ganhos ambientais e sociais através da saúde e do bem-estar das famílias. Também incrementa a produção com maior disponibilidade de água favorecendo o cultivo de frutíferas e plantas forrageiras nos quintais.
No Semiárido Paraibano, a validação dessa Tecnologia Social de tratamento e reutilização de águas domésticas para produção agroecológica representa um passo significativo na direção à construção de um futuro mais sustentável e resiliente para as famílias agricultoras e para a região semiárida como um todo.