O que impede a participação das mulheres nos espaços de decisão?

Publicado por Thaynara Policarpo
Campina Grande, 15 de abril de 2025

Com oficinas de gestão associativa, mulheres agricultoras refletem sobre divisão justa do trabalho e protagonismo nas associações e outros espaços de decisão

Não é de hoje que as mulheres enfrentam sobrecarga com o trabalho doméstico e de cuidado, o que acaba limitando sua presença em espaços de formação, gestão e decisão coletiva. Essa realidade precisa mudar. E foi com esse olhar que o CENTRAC realizou um ciclo de oficinas sobre Gestão Associativa para cerca de 100 mulheres agricultoras dos assentamentos José Antônio Eufrouzino e Pequeno Richard, na zona rural de Campina Grande.

Durante as oficinas, conduzidas por Patrícia Sampaio, coordenadora do Programa Direitos e Igualdade de Gênero, foi discutido que a gestão associativa exige a participação de todas as pessoas envolvidas na vida da associação. Para isso, é fundamental fortalecer a autonomia das mulheres e enfrentar os desafios que dificultam sua atuação.

A sobrecarga com os cuidados e as tarefas domésticas é uma das principais barreiras que impedem a participação das mulheres nos espaços de decisão. Dados da PNAD Contínua (IBGE, 2022) mostram que as mulheres brasileiras dedicam, em média, 21,3 horas semanais a afazeres domésticos e cuidados de pessoas — quase o dobro do tempo dedicado pelos homens, que é de 11 horas. Essa desigualdade de tempo impacta diretamente a vida pública das mulheres, limitando sua presença em associações, sindicatos, formações e espaços coletivos. Relatórios da ONU Mulheres e do IPEA apontam que a falta de tempo é um dos principais fatores que afastam as mulheres desses espaços. Além disso, essa carga de trabalho invisível tem consequências diretas na saúde física e emocional: muitas mulheres relatam cansaço constante, estresse e dificuldade para cuidar de si mesmas, como aponta pesquisa do DataSenado (2023).

“O que se constata é que as mulheres estão tão sobrecarregadas com os cuidados e o trabalho doméstico que não lhes sobra tempo para mais nada. A sua ausência nos espaços de decisão, acaba ocultando esse fator e as políticas públicas não atendem às suas demandas porque elas não estão lá para demandar, então cria-se um ciclo vicioso que não permite que as mulheres ocupem mais espaços de decisão. Então é preciso quebrar esse ciclo, com uma divisão mais justa do trabalho doméstico e de cuidados para que as mulheres possam exercer sua cidadania”, afirmou Patrícia Sampaio.

Os debates durante as oficinas abordaram pilares como gestão democrática e participativa, autonomia e empoderamento, controles coletivos, formação e informação, além da sustentabilidade econômica. As mulheres refletiram sobre os impedimentos que enfrentam, como a falta de tempo, transporte e conhecimento, além da sobrecarga com o cuidado de filhos e pessoas idosas. “A gente participando, adquirindo conhecimento e se informando, vai percebendo que as atividades domésticas são responsabilidade de todos na casa. Na minha casa, meu esposo trabalha fora e também na propriedade, mas a gente também se divide nas tarefas e no cuidado com nosso filho”, contou a agricultora Maria Alice, do Assentamento José Antônio Eufrouzino.

Outras falas mostraram como ainda é preciso superar desafios do dia a dia: “Se não for eu dentro de casa, as coisas não andam”; “Preciso ter autonomia financeira”; “Quero aprender a pilotar moto pra não depender do meu esposo ou do meu filho”; “Deixa ele fazer do jeito dele mesmo”. São pequenas mudanças que, aos poucos, vão diminuindo o cansaço das mulheres e fortalecendo sua presença nos espaços coletivos.

O ciclo de oficinas faz parte das ações do Projeto Fortalecimento de Sistemas Alimentares com Mulheres no Semiárido Paraibano, desenvolvido pelo CENTRAC com o apoio de Manos Unidas, e do Projeto Articulando Atores Locais para a Construção de Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricional, apoiado por Misereor e CCFD. A iniciativa também se conecta com a Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico, que tem como tema: “Direitos são para mulheres e homens, responsabilidades também!”. A campanha está sendo difundida no território do Fórum de Lideranças do Agreste (Folia), com o apoio da Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste, através do Projeto Baraúnas dos Sertões, um espaço de formação para agentes de ATER comprometidos com a agroecologia, o feminismo e o antirracismo. A iniciativa ocorre em parceria com o DATER/SAF/MDA, a UFRPE, a Rede ATER NE, a Rede Feminismo e Agroecologia do NE, a ANA, a ASA e o GT Mulheres da ANA.