Agricultores e agricultoras familiares que integram o Banco de Sementes Comunitário do Assentamento José Antônio Eufrouzino, em Campina Grande, receberam a visita de estudantes e professores do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) na manhã da terça feira (22). Durante a visita, o grupo conheceu as experiências de conservação e multiplicação de sementes crioulas desenvolvidas no assentamento e algumas estratégias de convivência com o semiárido.
A atividade faz parte das ações do Projeto “Educação Ambiental em tempos de pandemia: fortalecendo a segurança alimentar e nutricional no campo-cidade”, desenvolvido pelo IFPB Campus Campina Grande em parceria com o Centro de Ação Cultural (CENTRAC), nos Assentamentos Pequeno Richard e José Antônio Eufrouzino.
Durante a visita, os alunos conheceram a sede do Bancos de Sementes Comunitário (BSC), onde também está localizado o campo de multiplicação de sementes crioulas. Em seguida, assistiram os vídeos “Educação ambiental em tempos de pandemia”, produzido pelo Projeto com agricultores do assentamento em 2021 e o vídeo da campanha “Multiplique sementes crioulas: conserve memórias no mundo” do CENTRAC. Após a apresentação dos vídeos, houve um debate sobre a conservação das sementes e suas ameaças.
“A gente se sente muito feliz e valorizado porque os estudantes querem buscar informações, querem aprender sobre a agricultura. O agricultor passa por muita coisa para que a semente chegue até a cidade. Isso é um aprendizado para que eles valorizem também o nosso trabalho e a alimentação”, afirmou a agricultora, Graça Januário, que explicou aos estudantes sobre a importância do banco de sementes e o processo de organização coletiva. “No banco a semente vai estar sempre protegida e no período de inverno teremos sementes livres de transgênicos para o plantio. Para que ele funcione, é preciso que todos contribuam. Quando um não tem a semente, pode vir aqui pegar emprestado e depois da colheita, devolve”, concluiu a agricultora.
O agricultor Marcos Eloi falou sobre as ameaças às sementes crioulas na região. “Nesses últimos anos nós temos sofrido com a perda de sementes porque o inverno está pouco e o banco tem ficado escasso. Além disso tem as sementes transgênicas. Nossas sementes estão sendo contaminadas pelas sementes dos vizinhos que não são crioulas. Enquanto comunidade e banco de sementes, se a gente não se organiza e não se junta para preservar a semente, a gente vai perder e ficar escravo do mercado”, ressaltou Marcos.
A colaboradora do projeto, Rejane Alves, também falou sobre as formas de armazenamento das sementes, seja no banco familiar, no roçado ou no quintal. “Tem semente que não está armazenada somente no banco, o maxixe e a mandioca, por exemplo, estão armazenadas no campo, assim como as sementes de animais que também são importantes e não podemos esquecê-las”, afirmou.
“Estar aqui hoje é muito significativo para mim. Eu me criei com os meus avós que eram agricultores, mas depois cresci e fui morar na cidade. Meu avô armazenava as sementes no silo, um tonel grande. Tinha o dia de colher, debulhar, secar, bater com cuidado e separar a semente da venda e do plantio. Teve um dia que meu avô ficou muito triste porque ele usou agrotóxico na semente de milho dele. Ele não tinha o conhecimento de que poderia usar outra coisa. Naquele dia eu senti que meu avô estava perdendo uma parte dele e realmente perdeu. Hoje eu me sinto feliz de estar aqui com vocês e sei da importância de cultivar e conservar a semente sem agrotóxicos. Um dia quero voltar para o campo e viver como eles viviam”, disse a estudante do curso técnico subsequente em Manutenção e Suporte em Informática, Maria José.
Na ocasião, Madalena Medeiros, assessora técnica do CENTRAC, também falou sobre a Campanha Multiplique Sementes Crioulas criada pela instituição em virtude das ameaças às sementes. “Semente é patrimônio e esse patrimônio está em constante ameaça. São essas famílias que botam comida na mesa da gente. O agronegócio é pop, mas não bota comida na mesa do povo brasileiro. A assessora também ressaltou algumas estratégias coletivas de gestão para o bem comum, como o campo de multiplicação de sementes e o BSC. “Nós estamos perdendo essa referência de bem comum. Hoje, as pessoas da cidade só podem ter água se pagarem, estão tornando tudo mercadoria, mas nem sempre foi assim”, concluiu Madalena.
Estratégias de convivência com o semiárido
No segundo momento, o grupo se dirigiu à propriedade do agricultor Marcos Eloi, onde foram apresentadas algumas tecnologias sociais que fortalecem a convivência com o semiárido, como o biodigestor, o silo e as cisternas de água de beber e de produção. O agricultor também compartilhou as estratégias utilizadas pela família para a conservação das sementes vegetais e animais no período de estiagem.
A propriedade do agricultor possui uma cisterna comunitária de 16 mil litros que é abastecida com água pelo exército. No período de estiagem, mais de 100 pessoas pegam água na cisterna, no período de inverno, o consumo de água da cisterna é menor, e ela fica aberta para quem quiser pegar.
O agricultor também tem uma cisterna de água para beber e outra para produção, mas no verão reduz toda a produção de hortaliças e se dedica apenas à criação animal. Nesse tempo ou a gente cria animal ou planta hortaliça porque a água é pouca. No inverno a gente solta os bichos no pasto e cultiva as hortaliças, que exigem mais água”, contou Marcos. Para manter os animais, o agricultor faz o armazenamento de forragem. Este ano ele armazenou 6 silos com mais de 50 toneladas de palha de milho. Além disso, também tem o plantio de palma, que serve de ração para o gado e as ovelhas.
Uma outra tecnologia da propriedade é o biodigestor que produz gás metano e substitui o gás de cozinha. “Essa é outra economia que a gente faz aqui. Usa as fezes dos animais no biodigestor, não prejudica o meio ambiente e ainda produz o fertilizante, que é utilizado para as plantas.
“Minha proposta enquanto educadora é levar o conhecimento sobre a vida, não somente a atividade curricular em sala de aula. Poder realizar esse trabalho de campo é apresentar uma educação contextualizada no bioma Caatinga. Trazer os alunos para cá e debater sobre os agrotóxicos e a realidade que vivemos sobre o avanço do agronegócio é fundamental”, afirmou a coordenadora do Projeto Rachel Torrez.
O Projeto
O Projeto “Educação Ambiental em tempos de pandemia: fortalecendo a segurança alimentar e nutricional no campo-cidade” é coordenado pela geógrafa e professora do IFPB campus Campina Grande, Rachel Torrez, e tem como objetivo fortalecer as ações da agricultura familiar de conservação da biodiversidade, seus modos de vida sustentáveis e a convivência com o semiárido, apoiando a propagação e estocagem de sementes crioulas (milho), promovendo segurança alimentar e nutricional às famílias dos assentamentos Pequeno Richard e José Antônio Eufrouzino,
Com início em agosto de 2021, o projeto beneficiou os Bancos de Sementes Comunitários dos dois assentamentos com um total de 780 kg de sementes de milho crioulo e 1 estante para fortalecer a estruturação dos bancos, com o apoio da Programa de Agricultura Familiar (PROAF) e Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEXC)/IFPB, em parceria com o Núcleo de Economia Solidária IFPB/CG e o CENTRAC.