Os megaprojetos de energia eólica e solar têm avançado cada vez mais na região semiárida brasileira, o que tem provocado o desmatamento do bioma caatinga. Só na Paraíba, são 39 empreendimentos de energia eólica em operação e 22 de energia solar. Sem contar os “parques” que ainda estão em construção ou em fase de estudos.
As linhas de transmissão desse tipo de energia, que não estão no centro do debate, também estão afetando diretamente a vida de diversas comunidades ribeirinhas, pescadoras, camponesas, quilombolas, indígenas, de fundo de pasto e outras comunidades tradicionais, sua produção agroecológica, a soberania alimentar, a fauna e a flora das comunidades e seu entorno.
Durante o I Seminário das Mulheres do Projeto “Baraúnas dos Sertões: Fortalecendo a ATER Agroecológica e Feminista no Semiárido Brasileiro”, ocorrido entre os dias 13 e 15 de março, em Campina Grande-PB, mulheres de vários estados do Nordeste deram seus testemunhos sobre os impactos desses megaprojetos de “energias renováveis” nas suas vidas, incluindo as linhas de transmissão.
No depoimento de Nzinga Cavalcante, do sítio Ágatha, em Tracunhaém (PE), ela compartilha a abordagem das empresas na sua localidade, os processos de resistência das mulheres e os impactos que a linha de transmissão (Campina Grande III e Pau Ferro) tem causado na vida de sua família e de outras famílias da localidade.
Essa Linha de Transmissão Campina Grande III e Pau Ferro atravessa 15 Assentamentos da Reforma Agrária, entre os estados da Paraíba e Pernambuco e objetiva escoar a energia eólica produzida no Nordeste para outras partes do país.
“Além dos impactos socioambientais, têm impactos na saúde, na fauna e na flora. Não é só a torre eólica, as linhas também afetam a nossa vida, a nossa produção de alimentos. Os solos ficam inférteis, estão secando, as abelhas estão sumindo”, ressaltou.
Nzinga também afirma que o machismo tem contribuído para o avanço dos empreendimentos nas comunidades. Ela conta que as empresas chegam procurando os homens e prometendo um bom retorno financeiro. Dos contratos assinados no seu sítio, todos foram firmados por lideranças masculinas. Outro fator que ela ressalta é a localização desses empreendimentos. “Eu fico impressionada como a gente não vê parques eólicos nas fazendas, somente onde o povo está reunido, nas áreas quilombolas, ribeirinhas, nas praias”, afirmou.
A socióloga e assessora técnica do Centro de Ação Cultural – CENTRAC, Patrícia Sampaio, reforça os problemas causados com a chegada das empresas de energia solar e a passagem das linhas de transmissão nos Assentamentos de Campina Grande. “A gente está se deparando com um enorme problema no nosso território, pois as famílias lutaram muito para conseguir um pedaço de terra para produzir e agora estão sob ameaça de perdê-las de forma abrupta, sendo enganadas por empresas que estão prometendo valores que não constam nos contratos, que são abusivos. O CENTRAC, enquanto instituição de assessoria, orientou as famílias agricultoras sobre os impactos desses megaprojetos e as consequências que causariam com a sua instalação, mas aí chegaram as linhas de transmissão”, afirmou Patrícia.
Ela também reforçou que as áreas de assentamento estão fragilizadas, pois enquanto as famílias não são tituladas, as terras são da União, e que é a União quem determina onde vão ser instaladas as torres de transmissão de energia. Temos que nos articular contra esse novo ciclo de expropriação que estamos vivendo hoje e defender a soberania alimentar e os bens comuns”, completou.
“A transmissão de energia é um serviço público, as áreas por onde passarão as linhas são declaradas de utilidade pública. Neste caso, os proprietários das terras não têm como se opor. A única insurgência é em torno do valor da indenização a ser paga pelas empresas concessionárias”, afirmou o advogado e sócio colaborador do CENTRAC, Claudionor Vital, que tem assessorado algumas organizações no Estado sobre a temática, abordando as violações de direitos das comunidades camponesas e ainda os dilemas jurídicos dos contratos de arrendamento da terra entre as empresas de energias e as famílias agricultoras na Paraíba.
Os dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram as linhas de transmissão no Brasil em 2023 e a projeção para 2028. Em 2023 são 171.640 km, a projeção para 2028 é de 200.015 km. Esse acréscimo decorre, em boa parte, mas não somente, do crescimento do número de centrais geradoras eólicas e solares.
No quadro abaixo, da evolução da capacidade instalada, as fontes que mais crescerão até 2028 são a eólica e a solar.
Outro depoimento que chamou a atenção no evento foi o de Raquel de Souza, do Conselho Pastoral das Pescadoras e Pescadores do Piauí. Ela trouxe os impactos das offshore, que são torres eólicas instaladas no mar e que captam a força do vento que sopra em alto-mar. Raquel conta como o movimento de mulheres tem se articulado na região para barrar esses empreendimentos. “Se na terra não podemos passar para catar caju, castanha, como vamos passar no mar? Já não podemos produzir onde tem eólica na terra, tem que ter uma distância enorme, imagina se vamos encontrar peixe perto de uma torre no mar, vamos perder o nosso sustento”, afirmou a pescadora.
O I Seminário de Mulheres do Projeto “Baraúnas dos Sertões: Fortalecendo a ATER Agroecológica e Feminista no Semiárido Brasileiro”, contou com a participação de cerca de 70 mulheres e jovens que fazem parte do Projeto, com representações de movimentos de mulheres camponesas, pescadoras, comunidades tradicionais e da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA PB), entre elas o Centro de Ação Cultural – CENTRAC, o Patac, a AS-PTA Agroecologia e o CEOP.
O projeto Baraúnas dos Sertões tem como objetivo envolver mais de 2.000 pessoas dos nove estados do Nordeste com a proposta de qualificar agentes de assessoria técnica, agricultoras/es familiares e jovens rurais, aplicando os princípios da agroecologia, do feminismo e da Convivência com o Semiárido. Também busca promover práticas sustentáveis e abordar questões de gênero.
A iniciativa é da Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste, Rede ATER Nordeste de Agroecologia, Articulação Nacional de Agroecologia, GT de Mulheres da ANA, em parceria com o Ministério de Desenvolvimento Agrário, Governo Federal, UFRPE, FADURPE, Núcleo Jurema, Unilab e UFPI.