Com oficinas de gestão associativa, mulheres agricultoras refletem sobre divisão justa do trabalho e protagonismo nas associações e outros espaços de decisão
Não é de hoje que as mulheres enfrentam sobrecarga com o trabalho doméstico e de cuidado, o que acaba limitando sua presença em espaços de formação, gestão e decisão coletiva. Essa realidade precisa mudar. E foi com esse olhar que o CENTRAC realizou um ciclo de oficinas sobre Gestão Associativa para cerca de 100 mulheres agricultoras dos assentamentos José Antônio Eufrouzino e Pequeno Richard, na zona rural de Campina Grande.
Durante as oficinas, conduzidas por Patrícia Sampaio, coordenadora do Programa Direitos e Igualdade de Gênero, foi discutido que a gestão associativa exige a participação de todas as pessoas envolvidas na vida da associação. Para isso, é fundamental fortalecer a autonomia das mulheres e enfrentar os desafios que dificultam sua atuação.
A sobrecarga com os cuidados e as tarefas domésticas é uma das principais barreiras que impedem a participação das mulheres nos espaços de decisão. Dados da PNAD Contínua (IBGE, 2022) mostram que as mulheres brasileiras dedicam, em média, 21,3 horas semanais a afazeres domésticos e cuidados de pessoas — quase o dobro do tempo dedicado pelos homens, que é de 11 horas. Essa desigualdade de tempo impacta diretamente a vida pública das mulheres, limitando sua presença em associações, sindicatos, formações e espaços coletivos. Relatórios da ONU Mulheres e do IPEA apontam que a falta de tempo é um dos principais fatores que afastam as mulheres desses espaços. Além disso, essa carga de trabalho invisível tem consequências diretas na saúde física e emocional: muitas mulheres relatam cansaço constante, estresse e dificuldade para cuidar de si mesmas, como aponta pesquisa do DataSenado (2023).
“O que se constata é que as mulheres estão tão sobrecarregadas com os cuidados e o trabalho doméstico que não lhes sobra tempo para mais nada. A sua ausência nos espaços de decisão, acaba ocultando esse fator e as políticas públicas não atendem às suas demandas porque elas não estão lá para demandar, então cria-se um ciclo vicioso que não permite que as mulheres ocupem mais espaços de decisão. Então é preciso quebrar esse ciclo, com uma divisão mais justa do trabalho doméstico e de cuidados para que as mulheres possam exercer sua cidadania”, afirmou Patrícia Sampaio.
Os debates durante as oficinas abordaram pilares como gestão democrática e participativa, autonomia e empoderamento, controles coletivos, formação e informação, além da sustentabilidade econômica. As mulheres refletiram sobre os impedimentos que enfrentam, como a falta de tempo, transporte e conhecimento, além da sobrecarga com o cuidado de filhos e pessoas idosas. “A gente participando, adquirindo conhecimento e se informando, vai percebendo que as atividades domésticas são responsabilidade de todos na casa. Na minha casa, meu esposo trabalha fora e também na propriedade, mas a gente também se divide nas tarefas e no cuidado com nosso filho”, contou a agricultora Maria Alice, do Assentamento José Antônio Eufrouzino.
Outras falas mostraram como ainda é preciso superar desafios do dia a dia: “Se não for eu dentro de casa, as coisas não andam”; “Preciso ter autonomia financeira”; “Quero aprender a pilotar moto pra não depender do meu esposo ou do meu filho”; “Deixa ele fazer do jeito dele mesmo”. São pequenas mudanças que, aos poucos, vão diminuindo o cansaço das mulheres e fortalecendo sua presença nos espaços coletivos.
O ciclo de oficinas faz parte das ações do Projeto Fortalecimento de Sistemas Alimentares com Mulheres no Semiárido Paraibano, desenvolvido pelo CENTRAC com o apoio de Manos Unidas, e do Projeto Articulando Atores Locais para a Construção de Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricional, apoiado por Misereor e CCFD. A iniciativa também se conecta com a Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico, que tem como tema: “Direitos são para mulheres e homens, responsabilidades também!”. A campanha está sendo difundida no território do Fórum de Lideranças do Agreste (Folia), com o apoio da Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste, através do Projeto Baraúnas dos Sertões, um espaço de formação para agentes de ATER comprometidos com a agroecologia, o feminismo e o antirracismo. A iniciativa ocorre em parceria com o DATER/SAF/MDA, a UFRPE, a Rede ATER NE, a Rede Feminismo e Agroecologia do NE, a ANA, a ASA e o GT Mulheres da ANA.