A História dos Fundos Rotativos Solidários (FRS) foi iniciada há anos por famílias camponesas de várias localidades do semiárido brasileiro. Uma prática que funciona como uma poupança comunitária gerida coletivamente para fortalecer a agricultura familiar. Na Paraíba, na região do Fórum de Lideranças do Agreste (Folia), os FRS vêm transformando a vida de muitas famílias agricultoras, principalmente após a chegada do Programa de Formação e Mobilização Social para Conivência com o Semiárido (Programa Um Milhão de Cisterna) do Governo Federal, no ano de 2003.
No início do Programa, as famílias criaram os Fundos Rotativos como forma de garantir a outras famílias não beneficiadas um reservatório de água potável perto de suas casas. Mesmo tendo seu início a partir desta necessidade, em virtude das constantes secas na região Nordeste do Brasil, os FRS foram se ampliando, se modificando e se constituindo como uma estratégia para fortalecer a permanência das famílias no campo.
Como funciona o FRS
As comunidades agricultoras se organizam em grupos e cada membro faz uma doação voluntária de recursos para uma poupança, que também pode ser constituída a partir de ações e recursos externos destinados à comunidade.
É um Fundo porque reúne recursos financeiros, de mão-de-obra, sementes, entre outros. É Rotativo porque os recursos giram, circulam entre todas as pessoas participantes. É Solidário porque as pessoas pensam umas nas outras e todas se beneficiam.
Quando uma família adquire um benefício, assume a responsabilidade de contribuir mais adiante com a poupança devolvendo o valor do bem recebido (ou aquela quantia determinada pelo grupo) para que ela ou outra família possa ser beneficiada novamente. Dessa forma, o fundo nunca fica vazio. A formação de uma poupança comunitária e autofinanciamento é um direito garantido a todas as pessoas, reconhecido pelo Programa Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Experiências exitosas
Com o passar dos anos e do sucesso das experiências, as comunidades agricultoras começaram a discutir sobre outras formas de contribuir com a melhoria da qualidade de vida das famílias. Além da construção das cisternas, os FRS passaram a ser também utilizados para a construção de banheiros; empréstimo para compra de medicamentos; reforma de casas; compra de pequenos animais; cercamento de quintais e construção de tecnologias sociais.
Na região do Folia, dinâmica territorial que conta com a assessoria do Centro de Ação Cultual (Centrac), instituição que faz parte da Articulação do Semiárido Paraibano (Asa Paraíba), os FRS também foram criados para a construção de cisternas, mas em 2016, com o apoio do Centrac, a comunidade Bernardo, em Aroeiras, constituiu um Fundo Rotativo Solidário de Mulheres, para a aquisição de novas tecnologias, como cerca de tela para quintais e fogões agroecológicos.
A experiência deste Fundo Rotativo motivou a comunidade de Carapebas, também em Aroeiras, que não tinha nenhuma forma de organização, a iniciar um fundo rotativo de fogões agroecológicos. Com recursos da própria comunidade, as famílias que integram o fundo já conseguiram reforma de casa; compra de geladeira; escavação de buraco para construção da tecnologia reuso de água (em uma família que não tinha condição financeira de pagar para fazer); além de corte de terras e compra de sementes para plantio no período de inverno.
“Nós fundamos o Fundo de Carapebas em 14 de março de 2019, se inspirando no Fundo Rotativo do Bernardo, com muito incentivado da agricultora dona Solange. Eu tinha muita resistência porque não sabia se as pessoas iriam se comprometer. Mas, depois de muita luta, deu certo e durante essa trajetória nós tivemos apoio do Centrac, ganhamos alguns brindes para fazer uma rifa e arrecadar recursos para dar o ponta pé inicial. As pessoas foram contribuindo, participando ativamente e hoje já temos muitas conquistas na comunidade a partir do fundo rotativo”, afirmou o agricultor Ednaldo Pereira de Carapebas.
Com a articulação do Centrac, foi possível formar o primeiro grupo de fundo rotativo da juventude camponesa, em 2019, no Assentamento José Antônio Eufrozino (Logradouro), em Campina Grande, que inicialmente foi contemplado com seis ovelhas e repasses de recursos financeiros. Atualmente o grupo conta com sete participantes e já está no seu segundo ciclo. Um novo grupo de jovens também foi criado a partir dessa experiência, no Assentamento Pequeno Richard, e pretendem investir na criação de porcos.
Em Campina Grande, nos Assentamentos José Antônio Eufrozino e Pequeno Richard existem Fundos rotativos constituídos somente por mulheres para aquisição de fogões agroecológicos, sistemas de reuso de água, barramento de base zero e ainda recursos financeiros para livre uso das contempladas. Esses fundos contam com o apoio do Centrac e também com recursos das próprias famílias organizadas em grupos mistos ou somente de mulheres nas comunidades. Outra iniciativa impulsionada através dos Fundos Rotativos são os sorteios de determinado valor monetário, para que cada família invista naquilo que estão mais necessitadas no momento.
“O fundo rotativo que participo é um fundo só de mulheres, no momento tem 12 mulheres participando. Já fomos contempladas com fogões agroecológicos, isso contribuiu muito com a economia de gás e a melhoria do bem estar das nossas famílias, já que não tem fumaça. Depois do fogão eu também fui contemplada com um biodigestor, isso facilitou muito o trabalho da gente, tenho gás toda hora e não prejudico a natureza”, ressaltou a agricultora Severina Nunes, mais conhecida como Bibi do Assentamento Pequeno Richard.
A região do Folia conta hoje com onze fundos rotativos solidários constituídos nos municípios de Campina Grande, Aroeiras, Umbuzeiro, e mobilizaram diretamente em 2020, 147 Famílias.
Também em 2020 cerca de 20 famílias, inspiradas nas experiências dos FRS, principalmente com quintais de tela e fogões agroecológicos, buscaram adquirir o material por conta própria para reproduzirem essas e outras tecnologias sociais em suas residências. O Centrac apoiou as iniciativas e também disponibilizou a cartilha “Tecnologias sociais – Pequeno Manual de Construção”, que apresenta algumas técnicas e dicas para a construção de Biodigestor, fogão agroecológico, Barramento de Base Zero e Reuso de Água.
Todas essas ações têm gerado autonomia para as famílias, especialmente para as mulheres. Os fogões agroecológicos, carro chefe de todos os fundos rotativos, vêm despertando o interesse de mais mulheres participarem dos fundos rotativos, devido a sua praticidade e aos vários benefícios que proporciona, como a economia financeira (economizando no gás de cozinha); redução da fumaça na sua utilização no preparo das refeições; facilidade no preparo das receitas que a cada dia têm sido inovadas pelas agricultoras; redução do desmatamento pela significativa redução da quantidade de lenha utilizada na queima, assim como a substituição de lenha grossa por gravetos de poda ou queda, sem necessidade de corte ou derrubada da vegetação nativa, contribuindo assim, para a melhorias das condições de trabalho das mulheres.
“As mudanças nas comunidades que o Centrac vem acompanhando na região do Folia e que se organizam com FRS são perceptíveis, seja nas formas organizativas ou como na autonomia dos grupos. Hoje as comunidades se articulam com seus próprios recursos, definem seus critérios de participação e as diversas formas como os recursos serão utilizados, tudo de acordo com suas necessidades. Em meio a tantos cortes das políticas públicas, essa é uma alternativa que vem dando certo e que merece nosso apoio e investimento”, disse Zilma Maximino, assessora técnica do Centrac.