“O maior desafio é enfrentar o rentismo e a especulação fundiária e imobiliária nas cidades”, afirma urbanista.

Publicado por Aurea Olimpia
Campina Grande, 5 de março de 2018

ENTREVISTA – Hermínia Maricato |  “Temos uma cidade cada vez segregada, com tantos loteamentos fechados, onde os conjuntos habitacionais são colocados na extrema periferia, uma segregação que torna a cidade extremamente cara, onerando as redes de água e de esgoto, as redes ligadas à mobilidade, à energia, iluminação pública”. A declaração é da urbanista Ermínia Maricato, professora universitária, pesquisadora acadêmica e ativista política. Maricato, é professora aposentada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) e atualmente é professora visitante do Instituto de Economia da Unicamp e professora colaboradora do Curso de Pós Graduação da FAUUSP. Como ativista política, defendeu a proposta de Reforma Urbana de iniciativa popular junto à Assembleia Constituinte do Brasil (1988).

A urbanista foi uma das conferencistas do Seminário “A Cidade é Nossa”, que aconteceu nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2018, promovido pela Diocese de Campina Grande, em parceria com o Setor Pastoral Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Nordeste 2 e organizações como o Instituto de Arquitetos do Brasil e o Centro de Ação Cultural (CENTRAC). O seminário teve como tema “A participação social no centro da agenda urbana” e é sobre este assunto que a arquiteta falou nesta entrevista:

CENTRAC – Qual o papel da participação popular na construção de cidades mais sustentáveis e inclusivas?

Sem participação popular, não existe cidade mais sustentável e mais inclusiva, nenhum lugar do mundo você tem isso, sem a participação democrática, vamos pensar nos países onde existem as cidades mais equilibradas do ponto de vista social, ambiental, vamos pensar na Holanda, Suécia, Dinamarca, grande parte do Canadá, a participação democrática ela é garantida e há uma tradição de participação. Porque a desigualdade gera cidades predatórias ao meio ambiente, e por serem desiguais e predatórias a uma parte da sociedade.

CENTRAC – De que forma a tecnologia pode fortalecer o controle social e a participação no planejamento urbano?

A tecnologia tanto pode favorecer como pode dificultar, claro que se eu pensar em uma rede social usada para fins democráticos, de informação, de divulgação, ela ajuda a combater a desigualdade, a combater a predação ambiental do território, mas ela pode também ser um instrumento de dominação. Vamos pensar nas smart cities, que são grandes empresas de tecnologia da informação, grandes empresas de comunicação que vendem projetos, vendem tecnologia com a promessa de que isso vai facilitar a gestão, mas essas tecnologias podem, dependendo de em quais mãos elas estiveram, quem vai dominar a rede, todas as informações da rede, ela pode ser um obstáculo. Então, o que nós precisamos mesmo é garantir participação democrática e aí sim, dominar essas tecnologias para que nos ajudem na participação.

CENTRAC – Dos lugares que você visitou, dos debates que participou, o que mais lhe chamou a atenção na realidade aqui de Campina Grande e de João Pessoa, onde você esteve?

O que mais me chamou a atenção foi o poder do mercado imobiliário e fundiário, foi uma certa regressão que nós tivemos no Brasil nos últimos 15 anos, mais ou menos, em relação à especulação imobiliária e fundiária de um modo geral, no território nacional todo. A gente viu aumentar muito o poder dos proprietários imobiliários, uma parcela de empreendedores que é improdutiva, que vive do rentismo que enriquece à partir do investimento, público especialmente, mas também do privado, que enriquece à partir de mudanças na legislação urbanística…essa esfera especulativa imobiliária é muito forte na cidade de Campina Grande e nós temos uma segregação de um novo tipo, uma segregação que torna a cidade extremamente mais cara, as redes de água de esgoto, as redes ligadas à mobilidade, à energia, iluminação pública, todas essas redes nessa cidade dispersa, esgarçada, com tantos loteamentos fechados, onde os conjuntos habitacionais são colocados na extrema periferia, onde o perímetro urbano é extremamente alargado, essa cidade, é cara para todo mundo e favorece apenas os proprietários de imóveis que estão se valorizando. Inclusive do ponto de vista da mobilidade, ela acarreta viagens mais compridas, mais caras e mais poluidoras. Em compensação, eu acho que existe uma rede de entidades, que pra mim foi uma surpresa, eu conhecia o IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), alguns colegas da Paraíba, mas aqui em Campina Grande eu constatei uma rede de entidades, uma rede também dentro da universidade, de pessoas extremamente engajadas, informadas, que eu acho que só não temos um movimento capilarizado de participação porque o país inteiro se dirigiu para uma certa desmobilização da participação de bairros nos últimos anos, mas o que eu vi aqui é uma promessa evidente de um ciclo participativo que certamente vai se empoderar na cidade diante dos interesses que estão monopolizando o crescimento da cidade.

CENTRAC – Por falar em desmobilização da participação, qual é o principal desfio dos movimentos sociais que pensam a cidade na disputa pela ocupação do espaço urbano?

Antes de mais nada é a questão fundiária e mobiliária, o uso e a ocupação do solo, é um controle para adensar as áreas vazias servidas de infraestrutura, é a aplicação da função social da propriedade por meio do IPTU progressivo, para diminuir a especulação e os altíssimos preços do metro quadrado de imóveis e terrenos, para propiciar um mercado mais produtivo e menos especulativo e menos rentista e que possa propiciar habitação digna para mais pessoas.