Debate sobre Raças Nativas do Semiárido une guardiões, pesquisadores e acadêmicos durante evento em Campina Grande

Publicado por Aurea Olimpia
Campina Grande, 17 de agosto de 2018

Durante três dias, cerca de 200 pessoas entre agricultoras e agricultores guardiões das raças locais, representantes de organizações, movimentos sociais, entidades de assessoria técnica, redes de pesquisa, de instituições de ensino e de ciência e tecnologia, estiveram reunidos para aprofundar a reflexão acerca da criação animal na Oficina de Raças Nativas na Agricultura Familiar Agroecológica. O evento foi realizado pela Articulação do Semiárido Paraibano – ASA Paraíba e pelo Instituto Nacional do Semiárido – INSA, em parceria com a Rede Paraibana de Núcleos de Agroecologia.

A programação privilegiou momentos de trocas de experiências dos agricultores entre si e com acadêmicos e pesquisadores do assunto. Temas como as raças nativas e as mudanças climáticas, a legislação sanitária para produtos de origem animal, os sistemas de criação animal em transição agroecológica, a sanidade animal, o manejo da caatinga e o armazenamento da forragem foram alguns dos temas trabalhados em carrossel de experiências, mesas redondas e rodas de diálogo.

A comercialização dos produtos de origem animal foi debatida na mesa redonda: “Legislação Sanitária para Produtos Agroecológicos de Origem Animal” que contou com as participações de Maria Betânia Buriti, do Coletivo das Organizações da Agricultura Familiar, que atua nas regiões do Cariri, Seridó e Curimataú Paraibanos, uma das dinâmicas da ASA Paraiba e de Rosângela Cintrão, pesquisadora autônoma do Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar – CERESAN do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Agricultura e Desenvolvimento da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Em sua fala, Rosângela falou sobre a forma como a legislação sanitária aparece como um grande problema, criando barreiras para a produção e para a comercialização dos produtos da agricultura familiar, em especial, os de origem animal.

A pesquisadora afirma que com o argumento de proteger a segurança alimentar, foi dada uma ênfase muito grande à segurança sanitária do alimento, que é apenas um dos significados da dimensão da qualidade de que trata a segurança alimentar. Segundo ela, é preciso refletir sobre para quem as leis são criadas, pois a ciência não é neutra e há um sistema baseado na lógica da padronização e homogeneização dos alimentos, desrespeitando a cultura alimentar das populações, em uma indústria concentrada, de larga escala, que joga na ilegalidade o comércio informal. “Segundo à lógica da esterilização, tudo que tem vida, que para os agricultores tem valor, é considerado sujo e perigoso, a terra, o barro, a madeira, as bactérias, nessa linha só o químico, a cerâmica, o branco é limpo e o químico, o ‘defensivo’, o ‘fitossanitário’ é que são seguros”.

Para a pesquisadora, não se pode achar que vá existir um risco zero, trata-se de riscos diferentes, para a agroecologia os riscos desse modelo são os agrotóxicos e os transgênicos, os micro-organismos aparecem como aliados, a exemplo da compostagem, do biofertilizante, da cura do queijo. “O que querem fazer é escolher pela população que tipo de risco ela vai correr, sem a participação dela. Precisamos saber se existe de fato algum problema nos nossos produtos e qual é, como resolver, não dá pra falar em um risco genérico. Devemos exigir que a legislação não seja feita de cima para baixo e que considere a realidade dos pequenos produtores”, afirma.

O tema suscitou um amplo debate sobre a melhor forma de lutar pela democratização da tomada dessas decisões, a exemplo dos Selos de Inspeção Municipais, com participação dos consumidores e produtores. “As feiras agroecológicas são espaços ricos de cultura, são uma das nossas formas de resistência mais fortes. Infelizmente as gestões públicas não investem nestes espaços. A vigilância sanitária precisa olhar para a agricultura familiar e pensar em leis que possam ser cumpridas dentro da realidade das famílias”, afirmou Roselita Vitor, agricultora da coordenação do Polo da Borborema e do Grupo de Trabalho GT Criação Animal da ASA Paraíba.

Do evento saiu um conjunto amplo de compromissos para a continuidade do trabalho, entre os quais se pode destacar: fortalecer e intensificar as iniciativas de estocagem de forragem; debater a sanidade animal à partir das plantas medicinais; fortalecer os núcleos de agroecologia das universidades como espaços de formação para os futuros profissionais e estreitar o diálogo entre universidade e agricultores; Lutar para que as famílias agricultoras possam acessar os bancos genéticos das instituições de pesquisa; Estimular a multiplicação, as trocas e as doações de animais de raças nativas; Manter a alimentação dos eventos com comida saudável, comprada dos agricultores e divulgar e socializar as experiências sistematizadas, entre outros.

Para Reginaldo Bezerra de Lima, criador do Sítio Luiz Gomes, em Caraúbas-PB, o evento foi muito importante para demonstrar a força que tem a agricultura familiar com a sua diversidade de raças, costumes e manejos. Ele também ressaltou a troca de experiências e o intercâmbio de saberes populares e acadêmicos e os aspectos culturais da arte à alimentação: “Foi importante para nós a expressão cultural do povo com os aboios, cantorias, cordéis, coco de roda, o forró. Destacar ainda a qualidade da alimentação feita com produtos comprados pelas famílias agricultoras. Tudo isso foi muito importante”, avaliou.

Geovergue Medeiros é pesquisador do INSA e foi um dos integrantes da organização da Oficina, ele avalia que esse tipo de iniciativa serve para reafirmar a parceria entre as instituições de pesquisa e as organizações sociais e que o evento ultrapassou as expectativas: “A gente tem a sensação de dever cumprido, o evento trouxe importantes lições, desafios e propostas. Isso fortalece a temática, foi um evento muito exitoso”, avalia.

A Oficina de Raças Nativas contou com o apoio da Finep – Financiadora de Estudos e Projetos, Coordenadora Ecumênica de Serviço – Cese, Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e do Centro Vocacional Tecnológico de Agroecologia e Produção Orgânica: Agrobiodiversidade do Semiárido – CVT e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.