Intercâmbio de experiências promove troca de saberes entre famílias guardiãs de raças nativas

Publicado por Thaynara Policarpo
Campina Grande, 21 de março de 2022

Cerca de 30 agricultores e agricultoras beneficiárias do projeto “Fortalecimento de Sistemas Familiares de Criação Animal com Raças Nativas na Paraíba” participaram do primeiro intercâmbio de experiências realizado na propriedade do jovem agricultor e guardião da Raça de ovelha Morada Nova, Mateus Manassés, na comunidade Soares, município de Queimadas.

A visita à propriedade de Mateus Manassés foi realizada com o objetivo de dialogar sobre as características adaptativas da raça da ovelha Morada Nova, o manejo, a alimentação, a sanidade animal e a dinâmica desenvolvida pelo Fundo Rotativo Solidário (FRS) da comunidade, envolvendo mulheres e jovens, fundamentais para as agricultoras e agricultores que serão beneficiados com a criação de ovinos pelo projeto.

Mateus é biólogo e técnico em agroecologia e cria animais desde criança, incentivado pela família. Além da raça de ovelha morada nova, ele cria junto com a família galinhas de capoeira, porcos, gado, peru e as cabras, que como ele disse, é sua semente da paixão. “Eu me orgulho de ser agricultor e aprendi com minha vó e meu pai. Eu amo minhas cabras e passei a cuidar delas desde os quatro anos de idade. Hoje é uma alegria muito grande ver essa diversidade de gente aqui no meu terreiro. Num momento como esse é que a gente cria forças pra continuar sempre na luta e mesmo que a gente crie a vida inteira, vai ter sempre algo para aprender e passar para outra pessoa”, afirmou.

O Banco de Sementes Comunitário (BSC) instalado numa casa de taipa, dentro da propriedade também foi visitado, assim como a experiência da cerca elétrica que foi instalada numa área da propriedade. “Eu instalei a cerca em 2018. Para quem cria cabras e ovelhas é uma ótima opção” contou o agricultor. “No tempo do inverno, eu boto as cabras pro outro lado da cerca e não preciso pastorar as cabras. Mas no verão, a cerca elétrica funciona muito e eu não preciso me preocupar. Quem cria sabe como esse tipo de animal dá trabalho. São três dias pra elas se adaptarem a cerca elétrica e no primeiro susto elas não chegam mais perto da cerca. Esse tipo de choque não tem risco para o animal e nem para a pessoa humana, além de ter um baixo custo. É um investimento muito necessário, não gastei mil reais com tudo”, reforçou o jovem agricultor, concluindo que sua meta é cercar uma nova área que tem jurema preta e juazeiro para as ovelhas se alimentarem.

A segunda parada foi embaixo de um pé de juazeiro, numa área que o agricultor considera mais produtiva, graças à disponibilidade de água advinda de um poço perfurado em 1994, com o apoio da Prefeitura de Queimadas, com o qual fornece água aos animais.

Nessa área Mateus cultiva os roçados de milho, feijão e fava branca, que é sua semente da paixão. Todo o lucro do roçado foi para o BSC. Também cultiva as plantas que servem de alimento para os animais como o capim elefante e a palma orelha de elefante. Durante a conversa, o agricultor compartilhou as técnicas utilizadas para combater as pragas e doenças na região, a mistura de ração que faz para alimentar os animais e o tipo de planta que mais se adapta a região, como o algodão mocó, que é resistente a estiagem, é bom para a recuperação do solo e serve de ração para os animais.

Waldir Cordeiro, assessor técnico do Patac, organização de assessoria do Coletivo, reforçou a importância do cultivo de plantas da caatinga. “Falar de alimentação animal na nossa região é o segredo. A gente tem que observar a natureza e parar de teimar. As vezes vai nascendo o pé da catingueira, o feijão bravo, que nasce espontaneamente e as vezes você vai querendo plantar outras culturas. A gente tem que valorizar o potencial forrageiro fantástico da caatinga”, disse.

A terceira parada foi para conhecer as ovelhas morada nova. Mateus começou a criação em 2015, a partir do fundo rotativo solidário. O agricultor reforçou como a participação do FRS foi fundamental para a autonomia da juventude e das mulheres.  “A raça de ovelha morada nova é uma raça que todo mundo se apaixonou. Um animal de porte pequeno, adaptada a caatinga, resistente. É uma raça que teve origem no Ceará e foi se difundindo para todo Nordeste. Geralmente pare dois filhotes, mas apesar de ser resistente tem que ter todo o cuidado. Alimentar bem com fibras, ter os cuidados nos currais com a limpeza, varrer, tirar as fezes. Não fornecer comida direto no chão porque se tiver um animal com verminose ele vai defecar e urinar e pode contaminar os outros”, disse Mateus.

Além dos assessores e assessoras técnicas das organizações que acompanham as dinâmicas territoriais da Asa Paraíba, três integrantes do Projeto Agronordeste participaram do intercâmbio, entre eles a médica veterinária, Rhaysa Oliveira, reforçando os cuidados na criação animal, para manter a saúde e a clostridioses, um grupo de doenças causadas por bactérias.

“Eu aprendi muito com o manejo de cabras e ovelhas de 2015 pra cá e isso foi nos intercâmbios, assim como vocês e hoje eu não perco mais animal com verme. Além de ver o animal como alimento, temos que ver o animal como renda, quando a gente pensa assim, a gente não quer perder nenhum”, disse Mateus. Em 2020 o agricultor integrou o programa de leite com um grupo de 15 pessoas. Juntos vendem o leite de cabra para o Programa de Aquisição de Alimentos do governo do Estado da Paraíba.

“A questão de perceber se a ovelha tá bem no olhar é muito interessante, a limpeza e o uso de cal no curral eu também não sabia que era bom para combater as bactérias e também nunca percebi que elas gostam mais de água quente”, contou a jovem agricultora Ilma Elias da Silva, do Assentamento José Antônio Eufrozino em Campina Grande, reforçando que quer começar a criação para estimular o filho de 8 anos e garantir mais renda pra nossa família. “Meu menino está muito animado com as ovelhas e já tá aprendendo a cuidar do roçado junto com o pai. A gente tem que estimular desde cedo pra ele ter gosto pela agricultora”, reforçou a agricultora.

No período da tarde, houve um momento de partilha de impressões sobre a visita. “O mais importante dessa visita é o resgate das raças nativas e o manejo. O tempo que temos que se dedicar aos bichos, temos que cuidar deles todos os dias, não só na hora de vender o animal. Mateus tá fazendo um resgate e a gente precisa aprender pra conservar e botar em prática os novos aprendizados”, disse a agricultora Rosemary Posse de Lima, da comunidade Santa Luzia, em Soledade.

Durante o debate foi discutido os problemas da monocultura, uso de agrotóxicos e os prejuízos na criação de raças exóticas. “Enquanto os agricultores familiares foram sendo bombardeados com a propaganda de crédito com o objetivo de favorecer as raças exóticas, outras pessoas foram percebendo a importância de conservar as raças adaptadas. Hoje a gente olha para a agricultora familiar e a gente vê que esses animais existem, mesmo que em pequenas quantidades e esse projeto quer favorecer a recuperação”, ressaltou Felipe Teodoro, coordenador do Projeto.

“A gente foi construindo que as raças da gente não são boas, boas são as que vem de fora. E quando a gente vê uma experiência dessa como a de Mateus a gente vê que também temos produção, o que precisamos é aprimorar. O projeto vem fortalecer aquilo já estamos fazendo em relação a criação animal”, falou Zilma Maximino, assessora técnica do CENTRAC.

O Projeto

O projeto piloto “Fortalecimento de Sistemas Familiares de Criação Animal com Raças Nativas na Paraíba” é desenvolvido pela AS-PTA agricultura familiar e agroecologia em parceria com a Articulação do Semiárido Paraibano (Asa-PB) e apoio do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado da Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido e beneficiará diretamente 80 famílias que integram as dinâmicas da Asa PB: Fórum de Lideranças do Agreste (Folia); Polo Sindical da Borborema; Coletivo Asa Cariri Oriental (Casaco) e Coletivo Regional das Organizações da Agricultura Familiar.

No âmbito do Folia serão beneficiadas famílias agriculturas dos municípios de Campina Grande e Aroeiras, especialmente mulheres jovens, reforçando as ações dos Projetos desenvolvidos pelo CENTRAC no território com apoio de Misereor, CCFD- Terra Solidária e Manos Unidas.